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08/04/2018 09:30

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Jovens dividem trajetória de aceitação dos fios crespos na conquista da autoestima e liberdade

Alvo histórico de discriminação social, cabelo tem significado forte para muita gente, e pode ganhar data de homenagem em MS

Contra o preconceito e em celebração a forma dos fios de cabelo crespos, pode ser instituído em Mato Grosso do Sul o Dia do Orgulho Crespo, que seria em 7 de novembro. O Projeto de Lei foi apresentado na Assembleia Legislativa pelo deputado Amarildo Cruz (PT), inspirado na medida que já foi aprovada no estado de São Paulo.

Libertar homens e mulheres naturalmente crespos do alisamento capilar pode ser uma conquista que vai muito além da esfera estética. De maneira individual ou coletiva, o orgulho pela forma do cabelo é defendido como um estímulo à construção de identidades, ao respeito à diversidade, sublinha a importância da autoestima e reflete em ações contra as várias formas de violência dirigidas, majoritariamente, à população negra. 

É só perceber nas prateleiras de supermercados, drogarias e lojas especializadas, onde cresceu o espaço dedicado aos cuidados com esse tipo de fio. Nos sites, nas redes sociais, na rua, do seu lado, ou em você, cachos e crespos gradualmente se assumem, algumas vezes na cabeça de quem por muito tempo negou aceitar beleza neles. 

Apoio

Parte dessa transformação, grupos de incentivo como o Movimento de Crespos e Cachos de MS surgem para levantar bandeira e compartilhar experiências,  dicas, espalhar resistência a quem quer abraçar as curvinhas ou a indefinição do cabelo. Como definição própria, o movimento é formado por mulheres unidas para reunir o maior número de gente de cabelo sarará, termo que descarta o tom ofensivo.

Encontro Crespos e Cachos de MS, em 2015. (Foto: Wesley Ortiz)

A formação de três meninas, Angela Batista, 25 anos, Sara Arinos, 20, e Kamilla Mota, 24, faz encontros e compartilha na internet todo tipo de informação sobre o tema. Elas apoiam a criação de uma data símbolo do que, para elas, é luta de uma vida que não merece menosprezo.

"A gente acha isso muito importante, de ter um dia, porque a causa da criação do grupo é esse apoio. Nosso Estado precisa prestar atenção nessa questão", diz Sara. Para Kamilla, o dia seria "tão importante quanto o Dia da Consciência Negra", apesar de ressaltar que o cabelo crespo não é só em pessoas da pele escura. 

Traumas e aceitação

Kamilla divide parte de suas memórias que construíram uma barreira para se amar por completo, e que vêm da infância. "Via em casa minha mãe com cabelo crespo, mas minha irmã mais velha alisava. Fiz meu primeiro alisamento aos dez anos. Na escola, as meninas brincavam de salão de beleza. Eu era a única negra lá naquela época, e uma menina falou que eu só dava pra ser a cabeleireira, não a cliente, por conta do meu cabelo", lembra. 

Kamilla em sua transição capilar. (Fotos: arquivo pessoal)

"Eu falei que ia ser a cliente, eu usava trancinhas e elas cortaram e acabaram com meu cabelo. Eu não entendia porque, quando mexiam no cabelo delas, nada acontecia", completa, relatando que não saía de casa nem com os cabelos molhados.

Começou a transição capilar muitos anos depois, acompanhando o processo da irmã. "Passei a acordar cedo pra arrumar, fazer hidratação, foi uma luta, mas hoje sou muito mais feliz", conclui.

A jornalista Myllena de Luca, de 28 anos, sabe bem os percalços dessa infância e da 'desintoxicação' do alisamento. "Nunca gostei, na escola sempre me senti inferior, com cinco anos achava que eu nunca ia ter namorado quando crescesse, porque nenhum homem gostava de ‘cabelo ruim’, como falavam. E minha mãe tinha cabelo liso, e por mais que ela cuidasse do meu cabelo, nunca deixou eu alisar", diz

Antes e depois de Myllena assumir o cabelo natural. (Fotos: arquivo pessoal)

Aos 18 anos, começou a fazer chapinha todos os dias, por cinco anos, e chegou a fazer três progressivas em um ano. Se arrependeu e, um bom tempo depois, deixou a raiz natural crescer. Atingindo comprimento na altura das orelhas, cortou a parte indefinida e aos poucos foi entendendo seus cachos, apesar das quedas de autoestima durante o período da transição.

"Hoje tem tudo, cremes, produtos, antes não existia. Tem gente que acha meu cabelo feio, mas hoje eu me aceitei do jeito que eu sou, Deus me fez assim e eu gosto", finaliza.

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