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Entrevistas

Há 18 anos na polícia, delegado conta como foi comandar delegacia que cuida de crimes contra menores

Para Paulo Sérgio Lauretto, caso Kauan marcou a vida de todos que trabalharam na delegacia

30 abril 2018 - 10h03Por Kerolyn Araújo

O nome dele é Paulo Sérgio Lauretto. Delegado em Mato Grosso do Sul há 18 anos, sendo quase cinco deles dedicados à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), onde foi responsável por cuidar de crimes que marcaram a sociedade campo-grandense.

Da 4ª turma de delegados do Estado, antes de comandar a DPCA, Lauretto desempenhou a função nas cidades de Dourados, Jardim e Terenos. 

Conheça agora como foi o trabalho do delegado na DPCA.

TopMídia News: Quando o senhor entrou na DPCA? Por quanto tempo permaneceu na delegacia?

Lauretto: Saí de Terenos e assumi em 2013 a DPCA. Fiquei lá até março deste ano. 

TopMídia News: O que mais chamou atenção ao ficar a frente de uma delegacia que cuida de casos tão delicados?

Lauretto: Quando você está em delegacia do interior, ela é a única que cuida de todos os casos. E mesmo passando por essas delegacias, sempre tive afinidade por essas questões voltadas à crianças e adolescentes. Sempre trabalhei muito próximo aos Conselhos Tutelares. Mas quando você chega em uma delegacia especializada, passa a conviver todo o seu tempo com esses tipos de casos. O que me chamou muita atenção foi da quantidade de casos de crimes praticados contra crianças e adolescentes, principalmente casos de abusos sexuais. Geralmente são contra crianças do sexo feminino, menores de 12 anos.

TopMídia News: Quantos casos de abusos são registrados por ano?

Lauretto: Por ano são em média 400 casos registrados, mas existem muitos outros acontecendo e ninguém fica sabendo.

TopMídia News: De todos os casos, teve algum que mais marcou? 

Lauretto: Para todos nós da DPCA, acho que o caso mais emblemático foi o do Kauan. Desapareceu em uma situação de exploração sexual. Essa pessoa que é acusada de ter cometido o crime, se dedicava a isso. Pegava crianças vulneráveis, não só pela idade, mas também pela condição de vida. Ele se aproximava oferecendo dinheiro em troca de favores sexuais. 

Isso mostra como a sociedade não se importa. Ele (Deivid, acusado de matar Kauan) era um cidadão conhecido onde morava. Entrava e saía crianças da casa dele e ninguém se preocupou de fazer uma denúncia. Esse é um crime que poderia ter sido evitado se as pessoas tivessem se preocupado com aquela situação. A sociedade de uma forma geral deveria se comprometer mais.

Outro caso que marcou bastante foi do menino de quatro anos, que estava sendo torturado em rituais de magia negra.

TopMídia News: O abusador tem perfil?

Lauretto: O abusador de modo geral é uma pessoa do convívio da familia da vítima. Na maioria das vezes é companheiro da mãe, nem sempre são pais, mas são padrastos, namorados. São pessoas que trabalham, tem amigos, frequentam igrejas. Uma pessoa acima de qualquer suspeita. E o abuso não está necessariamente vinculado com o uso de drogas, com o uso de álcool. É a própria conduta da pessoa.

TopMídia News: Quais são os desafios da polícia em casos de abuso contra crianças?

Lauretto: Em muitos casos a mãe descobre e acha que uma conversa com o abusador vai resolver. Eles prometem que nunca mais vão fazer, que se arrependeram. E também é muito comum as mães não acreditarem. E, muitas vezes acreditam, mas tem aquela dependência da pessoa, afetiva ou financeira. Então ela fica em conflito: se eu colocá-lo para fora, vou ficar sem meu marido, sem meu sustento. E é isso que os abusadores utilizam contra as crianças. ''Se você contar para a sua mãe, ela vai ficar triste porque eu vou ter que ir embora''. Eles usam essa chantagem para a criança não relatar abuso. Daí ela acaba criando um sentimento de culpa e não verbaliza o crime com mais ninguém. Existem muitos casos de mulheres adultas que procuram a polícia para relatar que foram abusadas quando eram crianças. Elas procuraram ajuda com a família na infância, mas não tiveram.

TopMídia News: Quais os comportamentos que podem indicar que a criança está sendo abusada?

Lauretto: Um dos indicativos do abuso sexual é a alteração do comportamento. A criança muda. Se ela é hiperativa, começa a ficar acanhada, se isola dos colegas na escola. Todos que convivem com crianças devem observar essa mudança de comportamento. É observar, conversar e acreditar. A criança não tira isso da cabeça. Se ela começa com a sexualidade muito cedo, tem alteração de comportamento, ela foi vítima de abuso sexual.