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Por amor, Raquel venceu preconceitos, aprendeu Libras e hoje ensina a língua

Casal compartilha fé e sonhos de alfabetizar o maior número de pessoas na comunicação inclusiva

17 setembro 2018 - 09h11Por Amanda Amaral
Por amor, Raquel venceu preconceitos, aprendeu Libras e hoje ensina a língua

Há cinco anos, quando Raquel Alencar Dobler viu Carlos Alberto Moreira pela primeira vez, sequer imaginava a vida que iriam levar juntos e os desafios dessa caminhada. Os maiores deles, a comunicação e o preconceito devido a uma condição de Carlos, surdo desde os três anos de idade.

Conheceram-se na igreja, ambos por volta dos 23 anos “Falo que caí de paraquedas nesse universo. Eu senti algo especial desde a primeira vez que o vi, antes de saber que era surdo, e foi um choque quando descobri”, relembra ela, que não sabia se comunicar em Libras, a Língua Brasileira de Sinais.

Na formação em enfermagem, Raquel chegou a ter ensino da língua, mas precisou de um curso paralelo particular e muita dedicação para falar com o então namorado. Eu sabia Libras, mas tinha dificuldade no português, e ela o contrário, às vezes ela ficava muito nervosa, e nós estudamos cada um o idioma do outro”, conta Carlos. Após alguns meses, já conseguiam se comunicar, mas os desafios sempre estavam à espreita.  

“Principalmente no começo, as pessoas falavam coisas muito preconceituosas, até mesmo quem era próximo, familiar. Me questionavam o tempo todo, eu cheguei a decidir terminar, mas tive uma revelação na igreja, uma mulher veio diretamente a mim e me disse uma mensagem, sem conhecer minha história, me arrepio até hoje de contar”, conta.

Desafios em silêncio

A surdez de Carlos surgiu após uma infecção intestinal por conta de um suco de laranja que consumiu aos três anos de idade, comprado de um vendedor ambulante. Ele ficou muito mal de saúde, teve de ir ao hospital já em situação grave e logo entrou em estado de coma.  

Foi transferido para Bauru, interior de São Paulo, e o tratamento por antibióticos submetido a ele causou calcificação do canal auditivo. Aos poucos, conforme sua melhora, a mãe percebeu que ele não ouvia mais. Contudo, naquela idade, ainda não conseguia se comunicar bem através da fala.

Mais tarde, já na escola, começou a frequentar centro referencial para deficientes auditivos, onde as crianças tinham acompanhamento fonoaudiológico e tinham que ser oralizadas, ou seja, aprender a se comunicar pela fala, mas ele não conseguia. O tempo se passou, ele conheceu alguém que lhe apresentou a importância de se aprender Libras, e em 1996 começou a aprender, aos 12 anos.

Na escola, apesar de ter amigos, a interação era comprometida já que ninguém entendia sua língua. Não havia intérprete de sinais na época, só olhava e tentava compreender o conteúdo ensinado e as conversas, por expressões corporais.

Na 5ª série não conseguia compreender sequer os textos do material escolar, mas não por falta de vontade de aprender. Na Escola Municipal Bernardo Franco Baís, a partir daquele ano, conseguiu direito gratuito a intérprete de libras para acompanhá-lo nas aulas, iniciou a alfabetização de língua portuguesa e, nas disciplinas, eram aplicadas provas adaptadas.

Sonhos

Hoje eles têm a rotina de relacionamento normal, com desafios e muitos momentos felizes, como qualquer casal e muita comunicação. Entre as paixões em comum, está a fotografia e a vontade de levar o idioma ao maior número de pessoas.

Hoje, a tradução e o ensino de Libras são trabalho e paixão de Raquel. A vontade de Carlos é propagar a compreensão da língua oficial, o L1, e a segunda língua de surdos, a L2.

Há sete anos Carlos trabalha como auxiliar de mídia digital, e no trabalho, ninguém sabe libras, mas a situação se estende para todos os lugares. “Acabo me comunicando somente por escrito, mas não consigo entender quando as pessoas falam entre si. Deveriam aprender a respeitar nossa língua, é difícil”, desabafa.

“Um dos meus sonhos estou concluindo, que é a faculdade de Letras-Libras, que eu sempre me esforcei e sempre quis ensinar crianças”, diz, lembrando que o acesso espaços e direitos a surdos ainda é muito limitado no país, pela fluência muito baixa entre a população.

“Da mesma forma que tive dificuldade, sei que têm jovens e crianças na mesma situação, então gostaria de ensinar, levar o conhecimento e uma vida melhor a essas pessoas”, finaliza.

* Matéria alterada às 11h53 de 18/9 para correção de informações