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Quebrando tabus, projeto revela existência de vítimas de tráfico humano em MS

Criminosos fazem vítimas com a promessa de um emprego melhor, geralmente no exterior ou outro estado

17 julho 2017 - 16h10Por Rodson Willyams

‘Ela (e) foi levada (o) para trabalhar em outra cidade ou país’. Se você já escutou esta frase vinda de uma pessoa, se atente. Quem foi levada (o) pode estar sendo vítima tráfico de pessoas. Este crime geralmente é maquiado e vem sempre acompanhado de falsas promessas, como proposta de melhor salário e ‘viver bem’ no exterior, geralmente.

O TopMídiaNews conversou com uma travesti, que aqui vamos dar outro nome, Andressa, de 37 anos, para preservar sua identidade. Ela relatou que pessoas que trabalham com a prostituição estão mais suscetíveis aos convites, uma vez que têm seus telefones disponibilizados em jornais da cidade, em razão dos programas oferecidos.

Tudo começa assim: uma ligação e uma pessoa estranha faz o convite tentador para trabalhar no exterior ou até mesmo em outra cidade do país. A promessa é uma só, ‘ter rendimentos melhor do que se ganha’ no local em que está.

Diante da bela oportunidade, que na maioria das vezes é para o exterior, o alvo preferido é para quem trabalha na prostituição, mulheres são as mais aliciadas, mas há convites para homens e para travestis, como foi o caso de Andressa, que chegou a receber proposta para trabalhar fora do país. “Quando fazia programa, eles entraram em contato comigo, mas eu nunca quis”.

Andressa relata que muitas pessoas que saem de Campo Grande já sabem que vão para o exterior justamente para fazer programa. “Elas sabem. Mas quando chegam lá, não é bem o que falaram aqui. Elas são obrigadas a fazer programas, recebem bem menos do que prometeram e a maioria está irregular. Tem bastante gente que conseguiu voltar e não pensa mais em ir para o exterior porque está bem aqui. Algumas conseguiram fugir de lá”.

Entre as propostas, a Itália é o país que mais abriga pessoas que saem do Brasil. “Tenho amigas que foram para o exterior, para a Itália, algumas estão lá e outras que não gostariam de estar, mas ficam porque não conseguem sair. Mas tem outros países também”.

“Muitas acabam tendo os documentos tomados, não tem visto e ficam irregulares no país. Elas são seduzidas com propostas de trabalho”, diz a psicanalista e coordenadora do Projeto Nova, Viviane Vaz, de Campo Grande, que abriga de pessoas que foram traficadas e conseguiram retornar ao Brasil às que foram alvos de violência e abuso sexual.

“Ocorre que, no caso de tráfico de pessoas, tudo é muito maquiado e existe toda uma sedução. Eles falam assim: não vou te levar, você vai ganhar dinheiro, lá todo mundo ganha muito dinheiro. E, às vezes, não é o que foi previsto”, explica.

Viviane ainda disse que as mulheres brasileiras são consideradas exóticas para os estrangeiros. “A ‘carne’ [mulher] brasileira, para eles, é considerada exótica, tem um valor comercial, especialmente morenas porque têm um perfil que chama mais a atenção. Lá todo mundo é meio padrão, e além das brasileiras, as asiáticas também são alvos”, comenta. Homens que são traficados geralmente também acabam no trabalho escravo. 

A facilidade para sair do país sem ser parado na alfândega favorece para a prática do crime. “Às vezes, muitas mulheres nem sabem que estão sendo traficadas porque não conhecem. Hoje, você precisa falar da seguinte maneira: ‘você conhece alguém que foi levada para trabalhar em outra cidade’, somente aí as pessoas falam porque, quando se fala em tráfico de pessoas, ninguém sabe. E as pessoas precisam ficar atentas”. 

O projeto

Em Campo Grande, o Projeto Nova recebe pessoas que foram vítimas deste crime. Mas não é apenas neste seguimento. Pessoas que foram abusadas ou que sofreram exploração sexual são atendidas também. Ao todo, 35 famílias, entre crianças, mulheres e homens, participam do projeto.

“No caso dos homens, muitos sofreram abuso sexual quando crianças. Mas hoje, ainda é difícil tocar nesse assunto no mundo masculino. Mas nós temos casos de homens que foram abusados e que acabaram encontrando na exploração sexual a forma de sobreviver. Há um tabu que homem não pode falar disso ou aquilo, mas a gente percebe que homens são tão vítimas quanto às mulheres, principalmente meninos que são explorados sexualmente”, diz.


Viviane, coordenadora do Projeto Nova.

O Projeto Nova permite a essas pessoas lidarem com essas questões. Por meio de palestras, apoio psicológico, médico e até assistencial com auxílio de cesta básica. “As pessoas, aos poucos, são reconduzidas à sociedade para terem forças para lutar com seus problemas. Aqui nós criamos uma oportunidade para elas. Oferecemos cursos e oficinas, como culinária e artesanatos e de beleza, para que possam desenvolver suas habilidades e descobrirem seus dons. Tem gente que chega aqui porque pai e mãe falava que ela só servia para a exploração e não é isso”, finaliza Viviane.

Para quem quiser participar, o contato é (67) 9.9248-7944. Ou pode acessar ao site do projeto. www.projetonova.com