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16/12/2018 17:48

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Você acredita nisso? Ioga quebra rotina e muda saúde física e mental de presos em SP

Parte deles cumprem pena por diversos crimes, entre eles roubo a banco e homicídio

Por trás das grades, eles deixam os sapatos, as memórias, os traumas e os delitos. Na sala de aproximadamente 20 metros quadrados, 15 detentos abandonam por alguns momentos o que os levou até ali e tentam se concentrar, deitados em pequenos pedaços de panos, para começar uma atividade até então desconhecida para eles, a ioga.

O espaço abriga três armários cinzas desgastados, além de uma TV e, ao lado dela, um barulhento ventilador. Abaixo, um quadro verde ainda em branco. Pelo chão, formado por azuleijos azuis, são precisamente espalhadas 15 toalhas brancas. O cômodo fica em frente às celas do CDP (Centro de Detenção Provisória) de Pinheiros II, na zona oeste da capital paulista — o lugar é a "casa" de 1.541 detentos. Ao todo, o complexo possui 4.912 moradores.

Os homens que ali entram para a oficina de ressocialização enfrentaram distúrbios e, por alguma razão, cometeram delitos. Cumprem pena por diversos crimes, entre eles roubo a banco e homicídio. Seus olhos são carregados de luta, culpa e angústia. Mas, naquele momento, os esforços para buscar o equilíbrio entre o corpo e a mente superam esses sentimentos

Apesar de ainda impregnar um ambiente carregado, a sala logo vira palco de concentração contínua, olhares atentos ao professor e impulsos para as poses da milenar disciplina indiana. A vertente que ali é ensinada há sete meses pelo professor indiano Sanjay Kumar, de 42 anos, é a Hatha, a mais popular no Ocidente, e a qual possui significado de união entre corpo e espírito. São lecionadas, então, posturas, gestos, técnicas de controle respiratório, domínio de músculos e órgãos, além de exercícios de purificação. A aula é ministrada em inglês e um intérprete auxilia na tradução.

Presos fazem alongamento e relaxamento na ioga. (Foto: Edu Garcia - R7)

O detento José Carlos Salles dos Santos Filho, de 42 anos, ficou surpreso quando ouviu falar sobre a oficina de ioga. “Imagina, a gente vê na TV essas coisas, não aqui dentro. E eu, todo terrorista, vou fazer ioga?”, questionou a si mesmo. Depois, cedeu. “Me convenceram de que melhorava a saúde, o corpo e a mente.” Minutos depois, a confirmação: “e melhora mesmo, viu?”. O preso conta que tinha dificuldades para ir ao banheiro, mas que atualmente consegue de dois em dois dias — antes, era uma vez por semana e, às vezes, nem isso. “E a minha cabeça tá mais tranquila. Não é aquela pressão que se tem."

Colega de turma, o advogado Sérgio Barbosa de Almeida, de 49 anos, conta que divide a cela com outros 20 detentos. É um quarto de 14 metros e um banheiro – em diversos momentos há discussões acaloradas entre eles. Nessas ocasiões, seu pensamento se reserva nos ensinamentos que teve durante as aulas de ioga. “Respiro fundo, relaxo a minha mente e fujo do estresse”, diz.

O ambiente em que vive há um ano e três meses, por causa de um roubo a celular, é desafiador, segundo ele. “É fácil perder a cabeça em um lugar como esse”, relata. Além deste obstáculo, Sérgio enfrenta dores quase que diárias provocadas pela hérnia de disco, mas que, há sete meses, tem visto diminuir. “A minha coluna está bem melhor hoje por causa da ioga. Eu consigo trabalhar o meu corpo e a minha respiração, e isso impacta diretamente nas minhas vértebras.”

No início, as dificuldades para a realização de poses e outros movimentos eram maiores. Os detentos relatam que nas primeiras aulas a risada tomava conta do ambiente — hoje, há sons de dores, mas a dedicação e o olhar atento ao mestre e, em seguida, repetir o que foi ensinado, falam mais alto.

Os pés sujos e as tatuagens espalhadas pelos corpos simbolizam também a luta que ainda enfrentam. Muitos contam que passaram por momentos complicados como desistência da família, falta de oportunidade de trabalho, mortes de entes queridos, entre outras batalhas. Aí entra a ioga, como uma melhora da relação que se tem com essas situações. Novamente, é o equilíbrio entre o corpo e a mente.

Detento e advogado é um dos praticantes do ioga. (Foto: Edu Garcia)

Expressões como “relaxe sua mente”, “sinta sua respiração”, “mantra”, entre outras, foram ouvidas durante a aula, que possui duração de uma hora e ocorre quinzenalmente. O professor Sanjay não só mostra como se faz as poses, mas orienta os alunos a fazê-las. Ele se aproxima dos detentos e puxa uma perna para cá, um braço para lá, e assim vai. E não há reclamações. Nem olhares tortos.

Com 30 anos de profissão, ele veio para o Brasil especialmente para lecionar a ioga no presídio, a convite do Centro Cultural da Índia, braço do Consulado indiano. “É um desafio muito grande”, responde.

“Nunca dei aula para detentos anteriormente, então está sendo interessante, pois é uma troca bem rica”, diz. “Eu não os conheço, nem eles a mim. Mas nós nos tocamos sem o menor problema. Nós aprendemos, juntos, sobre como o ioga pode melhorar vidas. E a deles, de fato, melhoraram”, continuou.

A diretora de saúde do CDP de Pinheiros II, Eliane de Souza, explica que houve, sim, melhora de bem-estar dos detentos que praticam a ioga. Ela observou que, no período de sete meses, o comportamento destes alunos se destoou dos demais. Hoje em dia são mais leves, não se envolvem em brigas nem confusões, além de terem mais tato e gentileza. E ela vai além. “Muitos se queixavam de depressão, de angústia. Hoje, como fazem exercícios mentais também, as queixas são outras. Eles pedem mais aulas de ioga”, riu.

A diretora do Centro Indiano, Puja Kaushik, informa que pretende expandir as oficinas de ioga para mais presídios paulistas e a expectativa é de que ocorra em 2019. “É uma questão de saúde pública. Não é segurança, não é religião ou filosofia. A ioga é um exercício e que transforma vidas. A nossa intenção é melhorar a vida destes privados de liberdade.”

O engenheiro Carlos Eduardo Condado, de 56 anos, está há um ano e dois meses no CDP de Pinheiros. Acima do peso, ele diz que a ioga tem ajudado a se movimentar melhor, uma vez que os 115kg não o deixa fazer com facilidade.

“Eu que sou gordo, tenho certas dificuldades como agachar. Com a ioga, isso tem mudado. Ainda levo um tempo, mas me mexo muito mais do que antes”, relata. O detento aguarda a condenação por tentativa de homicídio e, no momento, divide a cela com outros 36. “No dia a dia, eu tenho que respirar bastante, porque é insano a energia daquela cela”, conta. “A ioga tem proporcionado um equilíbrio mental para mim, e isso veio em um momento certeiro”, diz.

A esperança de Condado é que a oficina se expanda e atinja outros presos: “Aí ia ficar todo mundo zen”, sorri.

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