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Na Lata Análise: Marquinhos, Uber e o povo que se f@#a; ENTENDA

Prefeito cobra impostos e regras de motoristas por aplicativo, mas alivia pra táxis; ou você já recebeu nota fiscal de taxista?

26 fevereiro 2017 - 08h00Por Vinícius Squinelo

O prefeito de Campo Grande, Marquinhos Trad (PSD) decretou a chamada regulamentação do Uber. Ou seja, na prática, determinou uma série de regras a serem cumpridas pelos motoristas do famoso aplicativo do celular. Regras, inclusive, que não se aplicam aos taxistas. Marquinhos conseguiu atingir dois alvos em um: criou um ‘novo táxi’, que terá preço semelhante ao antigo e não brigou com os donos de táxis da cidade. Nessa queda de braço quem se fode mesmo é o campo-grandense. Desculpem o termo chulo, mas não há outro que reflita tamanha revolta.

Mas, como aqui é um Na Lata Análise, vamos partir do princípio. Vamos aos principais pontos que regem o decreto do Uber e a comparação com os táxis.

Pra começar, cada motorista de Uber deverá ser dono de seu carro e ter apenas um veículo por CPF para o serviço. E os taxistas? Se abrirem uma microempresa, pagando migalhas ao ano, podem ter trinta táxis. Você não leu errado não. Um mesmo microempresário pode ter TRINTA veículos trabalhando pra ele. Isso com apenas um custo anual pago como forma de permissão pelo uso do carro. O restante dos custos são operacionais, como aquisição de carro e etc.

Tomamos como exemplo de um já falecido empresário, conhecido como o ‘rei dos táxis’. Ele colocou filho e esposa no negócio e tinha 51 táxis trabalhando legalmente. Além disso, era dono de uma cooperativa de táxi de Campo Grande, um posto de gasolina na Avenida Afonso Pena e uma mecânica de automóveis (guardem isso pra depois falarmos sobre as condições de trabalho de quem realmente dirige). Então, três pessoas controlavam 10% da frota de táxi da cidade inteira, hoje em 490 veículos. Se juntarmos outras famílias, pronto, vemos quem realmente comanda o serviço na cidade.

Ponto dois, o decreto prevê que o motorista de Uber deve ‘atender as obrigações fiscais, previdenciárias e as outras que lhe são correlatas’. Vamos novamente ao comparativo: como um só empresário não pode dirigir 30 táxis, eles contratam pessoas pra isso. Sabe o nome? Curiango; visto como preconceituoso, mas esse é o termo. É o taxista auxiliar, contratado pelo dono de táxi para dirigir o veículo. Sabe as condições de trabalho desses ‘funcionários’? Não. Então vamos lá.

Ele pega o veículo do dono de táxi pagando uma diária, que varia de R$ 150 a R$ 300 dependendo do ponto. Logo, já tem que arrecadar mais que isso pra ter algum lucro em 24 horas. A gasolina? O curiango que paga. Bateu o carro? O curiango que paga. Se reclamar, entra na lista negra e nunca mais atua no setor, como no caso do presidente da Associação dos Taxistas Auxiliares de Campo Grande, que tentou mudar alguma coisa e hoje esta fora do mercado.

Como autônomos, os curiangos não tem direito a nada. Direitos trabalhistas zero. Se quiserem se aposentar tem que pagar mais 11% do salário mínimo mensalmente do próprio bolso, sem contrapartida dos donos de táxi. Isso quando não são obrigados a abrir microempresa para prestarem serviços (e livrar os donos de táxis da questão legal) e ainda ter que pagar ISSQN, taxas ao Governo federal e etc. E mais: lembra do empresário? Os 51 táxis dele só podem ser abastecidos no posto da família – conhecido por um preço mais salgado – e só podem ter manutenção na mecânica da família. 

Agora dá pra entender, um pouco, o porquê de tanto mau humor de alguns motoristas de táxi né. Os caras trabalham 24 horas seguidas, e já saem do ponto com até R$ 500 (entre diária e gasolina) pra fazer naquele dia; só depois disso eles têm dinheiro pra família. Tenham empatia pessoas... 

Mas todas essas questões a equipe de Marquinhos Trad não deve conhecer né (?), ou não, já que não mexeram em nada dessa situação. Isso porque o novo decreto de Marquinhos estabelece fiscalização até no aplicativo do Uber. Mas os táxis pra quê né? Afinal, alguém aí já recebeu uma nota fiscal de uma viagem de táxi?

Por falar em fiscalização, em Campo Grande é proibida, na teoria, a venda de alvarás de táxi. Na prática, eles custam até R$ 400 mil e são vendidos livremente. Caro né? O motivo? O lucro. Segundo os donos de táxi, algo em torno de R$ 2 mil por mês por veículo. Para os curiangos, que realmente dirigem os táxis, o lucro é entre R$ 4 mil e R$ 5 mil por veículo, dependendo do ponto.

Ponto três (texto está ficando longo, desculpem, mas é necessário), Marquinhos em seu decreto torna obrigatório diversas ferramentas que o Uber já usa: como acompanhamento em tempo real do veículo e identificação do motorista. Como disse, o aplicativo já tem isso. Mas e os táxis? Cri... cri. Só sonho.

Por fim, os Uber que não cumprirem estão realmente fodidos. Veja o que diz o decreto: os profissionais que atuarem na clandestinidade sofrerão as seguintes punições: I – notificação por escrito; II – multa simples ou diária; III – retenção do veículo; IV – remoção do veículo; V – recolhimento de documentos; VI – apreensão; VII – interdição parcial ou total do estabelecimento ou atividades e VIII – cassação imediata do alvará de licenciamento do estabelecimento.

Na prática, o Uber agora virou um novo táxi em Campo Grande, apenas com um aplicativo de celular melhor e, quem sabe, ainda um tratamento diferenciado. Isso porque terminamos essa pequena análise com apenas três pontos (aqui é internet né gente, se não ninguém lê...)
Na queda de braço, quem saiu ganhando foram os táxis (os donos, não curiangos). Quem se fodeu? Os de sempre, nós!