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Política

22/08/2014 07:00

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‘Quinta Gospel’ ofende o princípio de igualdade e prega discriminação

Polêmica

O evento “Quinta Gospel” corre o risco de colocar Campo Grande no anedotário popular devido à intransigência do prefeito Gilmar Olarte (PP), da diretora-presidente da Fundação Municipal de Cultura (Fundac), Juliana Zorzo, e dos vereadores da bancada evangélica da Câmara Municipal de Campo Grande.

 

A proibição, pela Fundac, do show Tecnomacumba da artista Rita Ribeiro (agora Rita Beneditto) criou uma polêmica acerca da legalidade do evento, ou mais especificamente, o fato de o evento da fundação que gerencia a Cultura, ser direcionado a um público específico, uma denominação religiosa e, religião é de foro íntimo.

 

Entenda o caso

Elson Borges dos Santos, dirigente de um templo religioso de Umbanda, encaminhou ofício à Fundação Municipal de Cultura (Fundac) questionando a viabilidade da contratação do show da cantora Rita Ribeiro, que homenageia religiões de matriz africana para o evento “Quinta Gospel”.

 

Em resposta, a Fundac se posicionou contrária à solicitação, por “fugir a proposta do evento, destinado ao público evangélico cristão”. No documento assinado pela diretora presidente da fundação, Juliana Zorzo, “a Quinta Gospel foi assinada pela maioria dos vereadores evangélicos, com o propósito de oferecer atrações regionais e nacionais do meio Gospel Evangélico... A lei reconhece como manifestação cultural as músicas e eventos gospel evangélico”.

 

Composta por apenas quatro parágrafos, a lei determina apenas que o evento fica instituído na Praça do Rádio Clube (artigo 1º), que será realizada na quinta-feira que antecede a Noite da Seresta, utilizando a mesma estrutura (artigo 2º) e que deverá ser realizada com artistas nacionais e regionais (artigo 3º). O quarto artigo diz que a lei entra em vigor na data de sua publicação, que se deu no dia 23 de julho de 2012.



 Rita tem 27 anos de carreira e nunca havia enfrentado uma situação assim. Foto: Divulgação

 

O vereador Eduardo Romero, procurado no dia 7 de agosto em seu gabinete por Elson Borges, defendeu que entende-se por música gospel qualquer gênero musical de cunho religioso, o que habilita artistas de qualquer  denominação religiosa a participar do evento. “Nesse contexto temos que ressaltar que a Quinta Gospel é um evento destinado aos campo-grandenses, custeado com o imposto de todos, inclusive dos que não têm religião, não somente do segmento evangélico. Não podemos admitir a ideia de que tenhamos que criar um evento, utilizando recurso público, para contemplar cada religião”, argumentou.

 

Manifestações

O pastor e prefeito Gilmar Olarte, durante evento em homenagem aos 20 anos da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), em 8 de agosto, declarou que não existe uma Guerra Santa e atribuiu o impasse às pessoas que não querem o “bem da cidade”.

 

Talvez estendendo seu entendimento religioso à totalidade dos munícipes, foi incisivo: “A 'Quinta Gospel' é gospel porque significa evangélico. Então, essas outras manifestações culturais estão liberadas e eles podem pegar um dia na praça [não o mesmo dia] que a Fundac vai ceder a estrutura e o som".

 

Olarte explicou que só serão atendidos se a Fundac tiver dinheiro em caixa. "Se tivermos dinheiro em caixa, nós vamos atender. O prefeito tem o poder discricionário e se não puder, eu assumo todas as responsabilidades quando tiver que dizer não", finalizou.

 

Na última edição da Quinta Gospel, o prefeito Gilmar Olarte subiu ao palco e, antes que a artista gospel Cassiane iniciasse sua apresentação, afirmou: “Ninguém vai tentar misturar! Ela é evangélica. É de Deus”.

 

Em recente entrevista, Juliana Zorzo negou favorecimento a um seguimento religioso específico e caiu no lugar comum dos políticos que se sentem contrariados afirmando que a polêmica em torno do projeto Quinta Gospel trata-se de manobra política. No entanto reconheceu que o movimento nasceu há mais de 15 anos na Primeira Igreja Batista e foi encampado pela municipalidade.

 

Zorzo disse que "A polêmica em torno do projeto Quinta Gospel trata-se de uma manobra política"


Ainda sem compreender que a questão não é contra o segmento religioso, mas pelo fato de ferir a Constituição quando segmenta ações públicas em benefício de grupos, a secretária orientou que os sacerdotes e líderes religiosos busquem o Legislativo para a criação, apoio e aprovação de leis que atendam a especificidade da demanda de cada grupo.

 

E reafirmou que a polêmica em si, faz parte de uma manipulação política que não tem nenhum embasamento legal. Sem compreender que a falha não está na Lei, mas na sua aplicação, disse: “Não podemos fazer as leis, nós apenas as executamos, por isso, orientamos para que busquem no Legislativo a criação de leis que contemplem a todos”.

 

Contrapontos

A Federação Espírita de Mato Grosso do Sul, através de sua presidente, Maria Tulia Bertoni, em nota, informou que “em maio deste ano, o ICE-MS (Instituto de Cultura Espírita de Mato Grosso do Sul), representado pelo seu presidente, João Batista Paiva, encaminhou ofício à fundação, solicitando participação de artistas espíritas no show.

 

Em resposta (4 de agosto de 2014), a diretora manifestou-se com a argumentação de que “a indicação de artistas espíritas seria impossível” porque foge da proposta do evento destinado ao “público evangélico cristão”.

 

Maria Bertoni acredita que a Lei, pelo seu teor deu margens à interpretação dúbia por parte da diretora-presidente  da Fundac e garantiu a exclusividade de apresentação de um único segmento religioso, em detrimento dos demais.

 

E completa dizendo que não podemos admitir que houvesse qualquer mínima discrepância nas decisões de gestores com relação a dotações orçamentárias dos recursos públicos; o privilégio de uns e a exclusão de outros. Se o local é público, os recursos são provenientes dos cofres públicos, organizado e patrocinado por um órgão público – que se qualifica como uma Fundação de Cultura – e sob o princípio que deve reger o Estado Laico expresso na Constituição Federal, que a “Quinta Gospel” garanta nas próximas edições a participação de todos os segmentos religiosos que nesse espaço queiram manifestar sua religiosidade, por meio da linguagem musical.

 

A Iyalorixá Mãe Zilá, enfatiza que é preciso desmistificar as religiões, sem o preconceito e a ofensa com que elas vêm sendo tratadas, deixando claro que o candomblé e a umbanda, assim como as demais religiões afro-brasileiras, buscam a evolução espiritual, o bem, o amor ao próximo e a caridade. “Precisa desmistificar essas questões até para a população entender e respeitar as diferentes manifestações de fé”, diz.

 

A cantora Rita Benneditto [Ribeiro], que soube da situação por meio da imprensa nacional, lamentou a decisão da Fundac e disse que situação parecida nunca havia lhe acontecido, em 27 anos de carreira.

 

 

Deputado saiu em defesa da cantora Rita Ribeiro, a quem chama de grande amiga. Foto: Reprodução

 
 

MP defende pluralidade

Representantes de religiões não contempladas na Quinta Gospel, Fundação Municipal De Cultura, Procuradoria Geral do Município e das promotorias Dos Direitos Humanos e do Patrimônio Público se reuniram nesta quinta-feira (21), no Ministério Público Estadual para debater a polêmica acerca do evento religioso, realizado pelo Poder Público.

 

O vereador Eduardo Romero (PTdoB), destacou o fato de que provocou o Ministério Público para fazer cumprir o princípio constitucional do Estado Laico, sem defender religiões específicas. “Não temos nada contra evangélicos e nem fizemos isso por determinada religião. Na qualidade de legislador temos que nos pautar pela legalidade e isonomia no que se refere à política pública”, afirmou.

 

A promotora da 67ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, Jaceguara Dantas da Silva Passos, declarou que pretende caminhar para uma “solução dialogada e construída” para a questão. “Não pode haver favorecimento, a Constituição Federal assegura a laicidade do Estado, por isso, independente da demanda – que é uma causa justa -, podemos chegar a uma solução sem judicializar a questão”, ponderou.

 

A promotora da 29ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, Ana Carolina Castro, foi categórica ao afirmar: “ainda que se coloque outras denominações religiosas haverá exclusão, religião é de foro íntimo e o Poder Público deve ministrar apoio à manifestações de sua identidade cultural”.

 

O procurador do município, Fabio Castro Leandro, a diretora-presidente da Fundac, Juliana Zorzo, ficaram encarregados de levar ao prefeito a proposta de construção de um evento mais abrangente, que contemple a diferentes manifestações culturais. O executivo tem até o dia 14 de setembro para manifestar-se da primeira recomendação do MP, de “abertura” da Quinta Gospel a atrações de outra natureza, além das evangélicas, sob pena de que haja “ofensa ao princípio da igualdade, ao direito fundamental à liberdade de religião e culto religioso, ao artigo 19, inciso I, da Constituição Federal que prevê o Estado Laico e Confessional, bem como, à honra e dignidade de todos os grupos religiosos existente na comunidade campo-grandense”.

"Não podemos admitir a ideia de que tenhamos que criar um evento, utilizando recurso público, para contemplar cada religião”, disse Romero

 

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