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Saúde

Morte de bebê por falta de gasolina em ambulância pode levar médicos a júri popular

Laudo apontou que riscos eram mínimos em caso de transferência no horário certo

06 dezembro 2018 - 08h19Por Da redação / NSC Total

O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) denunciou dez pessoas na Comarca de Mafra, sendo nove por homicídio qualificado por motivo torpe, com dolo eventual. O Ministério Público requer na ação, além da condenação dos denunciados, a indenização pela morte da menina Heloísa Martins Lisboa que tinha um ano e 20 dias quando morreu porque não havia combustível na ambulância do Samu para fazer a transferência de Mafra para o Hospital Infantil de Joinville.

O Ministério Público de Santa Catarina apresentou à Justiça denúncia contra sete diretores (cinco deles médicos) e dois médicos socorristas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) catarinense, além de uma médica plantonista do SAMU pela morte da menina, causada pelo atraso no atendimento em função da falta de combustível para a ambulância.

A Polícia Civil já havia indiciado a todos por homicídio culposo, mas o Ministério Público entendeu que as provas produzidas durante a investigação apontavam para o dolo eventual, sujeitando os denunciados a uma pena que varia de 12 a 30 anos de prisão.

Na denúncia, o Promotor de Justiça, Rodrigo César Barbosa, relata que, na madrugada dia 7 de junho de 2017, a paciente deu entrada no Hospital São Vicente de Paulo, em Mafra, com quadro de broncopneumonia com necessidade de internação. Na noite seguinte, o quadro clínico da criança se agravou e, na manhã do dia 8 de junho, foi confirmado que havia uma vaga em UTI no Hospital Infantil Jeser Amarante Faria, em Joinville.

Às 10 horas do mesmo dia, foi feito o primeiro contato com o SAMU para viabilizar a transferência do paciente. A viatura, no entanto, não foi disponibilizada por estar sem combustível. O pai da menina, Alexandro Lisboa, tentou pagar o abastecimento do veículo, mas as autoridades do SAMU não permitiram que isso fosse realizado por terceiros.

Às 17 horas, o quadro clínico agravou-se ainda mais, e Heloísa precisou ser entubada e de ventilação mecânica. Somente às 23h30, foi iniciado o deslocamento da vítima, mas ainda sem combustível para chegar a Joinville. Então, foi feito transbordo (transferência para outra ambulância) em um posto de combustível na cidade de Rio Negrinho.

A ação durou cerca de uma hora, e só então a ambulância seguiu para o Hospital de Joinville, onde chegou por volta das 2h40 do dia 9 de junho. Em Joinville, pouco depois das 12h30 do dia 10 de junho, a menina faleceu após sofrer três paradas cardíacas.

Laudo apontou que riscos eram mínimos em caso de transferência no horário certo

Segundo laudo do Serviço de Medicina Pericial do MPSC, caso a transferência da criança tivesse sido feita quando estava estável, antes da necessidade de ventilação mecânica; e seu transporte tivesse sido feito de forma direta para Joinville, os riscos seriam mínimos.

Diante dos fatos, o Promotor de Justiça atribuiu a nove dos 10 denunciados o crime de homicídio com dolo eventual, ou seja, que, ao se omitirem, assumiram o risco do resultado que sabiam possível: a morte da criança.

Quatro dirigentes do SAMU foram responsabilizados pelo MPSC por negar a possibilidade de abastecimento por terceiros, mesmo tendo plena ciência da gravidade do caso. Eles ocupavam cargos de coordenação e gerência na época.

O Ministério Público também responsabiliza pela morte das crianças três médicos reguladores regionais. Os três, pelo cargo que ocupavam, tinham a prerrogativa de requisitar recursos/serviços públicos ou privados ante a excepcional situação de emergência, mas não o fizeram.

Foram denunciados, ainda, por crime de homicídio com dolo eventual dois médicos socorristas, que, mesmo acompanhando o caso pessoalmente, não autorizaram o abastecimento da ambulância do SAMU por terceiros.

A décima pessoa denunciada pela morte da criança foi uma médica socorrista. No caso dela, por homicídio culposo, por não estar presente no posto de trabalho para o início de seu plantão, às 19 horas do dia 8 de junho, o que contribuiu para o atraso do atendimento.

O Promotor de Justiça requereu que o caso seja levado a Júri Popular (competente para julgamento de crimes contra a vida) e, ao final, a condenação dos denunciados pelos crimes apontados, além do pagamento de indenização no valor mínimo de R$ 500 mil aos pais da criança, de maneira solidária pelos denunciados.

Para garantir o pagamento de eventual indenização, o Promotor requereu o bloqueio de bens dos denunciados até o limite de 1 milhão de reais. A denúncia foi apresentada à Justiça nesta quarta-feira (5) e ainda não havia sido recebida pelo Juízo da Vara Criminal da Comarca de Mafra. Somente após o recebimento, os denunciados passam a figurar como réus em ação penal, na qual terão amplo direito à defesa. Por isso, a reportagem não divulgou os nomes dos denunciados.