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há 4 anos

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'A liturgia da despedida está sendo arrancada das famílias', diz geriatra

Ela defende que o correto manejo da dor e do desconforto pode proporcionar a todos uma existência digna

Autora do best-seller “A morte é um dia que vale a pena viver”, a geriatra Ana Claudia Quintana Arantes acaba de lançar "Histórias lindas de morrer". O livro reúne 15 relatos que mostram que o fim da vida pode ser um momento de reconciliação consigo mesmo e com os outros. Em sua obra anterior, a doutora Ana Claudia, que por cinco anos foi responsável pela unidade de cuidados paliativos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, já havia abordado uma questão crucial: como as universidades falham em ensinar ao futuro médico a tratar o sofrimento dos pacientes que estão num quadro grave e sem perspectiva de cura.

A geriatra defende que o correto manejo da dor e do desconforto pode proporcionar a todos uma existência digna até o último momento. Conversamos por telefone e pergunto como a pandemia do novo coronavírus, que vem ceifando vidas em todo o planeta, impacta na maneira como os indivíduos se relacionam com a finitude. “A humanidade está toda na mesma página, diante da possibilidade real e concreta do contato iminente com a morte. Isso desespera boa parte das pessoas, porque ninguém costuma contemplar essa possibilidade, preferindo se blindar com a rotina e viver em permanente negação em relação à morte. A liturgia da despedida também foi arrancada, está sendo negada às famílias, causando um sofrimento ainda maior. A consciência de que, num intervalo de duas semanas, poderemos ser infectados e morrer, mostra que temos que trazer para o momento presente o que é importante, e isso sempre diz respeito ao afeto”, analisa.

Ela própria está afastada da filha, que estuda na Alemanha. “E estou na frente de batalha, enfrento o risco de pegar o vírus. Já sofri e chorei, mas tenho pensado, estudado e falado sobre a morte há tantos anos que sinto a tranquilidade de não estar devendo nada à minha vida. Quem nunca parou para pensar nisso é que está em grande sofrimento”, afirma.

A médica conta que, com frequência, os filhos não visitam regularmente idosos que vivem em instituições. “A alegação é falta de tempo. Agora, diante de uma situação de quarentena, talvez não tenham mais essa oportunidade. Há um risco enorme de que o momento de reconciliações emocionais se torne inviável. Esse é um divisor de águas para a humanidade, porque fica muito clara a percepção do que se poderia ter dito para um ente querido enquanto havia tempo para isso”, diz.

Entre as histórias lindas de morrer, ela incluiu a do fim de vida dos pais, Jacyr e Cecília. “Chorei muito ao escrever e recuperar cada uma das trajetórias do livro. Essas pessoas me ajudaram a ser o que sou”. Encerra a obra discutindo a questão de contar ou não a verdade para o paciente. “O que meus anos de clínica ensinaram é que a verdade é um direito de todos, e não uma obrigação. E a maioria quer saber, os pacientes querem falar sobre a morte deles, mas poucos querem escutar”, finaliza.

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