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10/10/2013 10:20

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Coveiro mostra orgulho pelos seus 27 anos de profissão

Zelador de almas

Hora do rush, transporte coletivo lotado, onde é possível observar várias pessoas com fone de ouvido reclusas em seus mundos particulares. De repente, surge um comentário: "Hoje em dia os jovens não conversam mais. Na minha época a gente sempre batia um dedo de prosa mesmo sem conhecer a pessoa e daquela conversa surgia uma amizade", observa Francisco Silva, coveiro há 27 anos no Cemitério Santo Antônio na Capital.

Mais que um dedo de prosa, uma conversa bastante alongada. Francisco explica que para alguns, o cemitério é o lugar onde as pessoas que morreram repousam, há quem o considere amedrontador. O cenário típico de filmes, por onde se olha há sepulturas, cruzes e flores. Em contrapartida o coveiro caminha pelo longo corredor, cheio de vida e de disposição. Trajado de seu uniforme azul, o coveiro, semianalfabeto, estudou até a quarta série do primário, uma das condições da Prefeitura para continuar a seguir a profissão que escolheu para ser sua.

“Trabalho nesse ramo há 27 anos e sou feliz com o que faço”, declara de imediato o coveiro de 56 anos que nasceu em Glória de Dourados e reside na Capital há muito tempo. “Antes de vir pra Campo Grande eu trabalhava na roça, no campo aberto, gostava muito daquela situação. Quando vim pra cá, cheguei a trabalhar com mudanças, mas, me encontrei novamente a partir do momento que virei coveiro. Aqui é como na roça, um lugar aberto onde posso ver o céu, sentir o vento bater na minha cara e a chuva me molhar”.

Emoção
Trabalhar em um cemitério envolve preparação emocional, o coveiro conta que no início teve muito medo e aos poucos foi se adaptando. Maior que o medo era se sensibilizar pelo sofrimento alheio. “Até hoje me emociono quando vejo uma mãe enterrar um filho recém-nascido ou criança, faz dó no meu peito porque não pôde viver muito tempo”, comenta Francisco que já enterrou muita gente e também sofreu junto. “Não sou de ferro, choro sem vergonha, pois o sofrimento faz parte da minha profissão e sou obrigado a aprender a conviver com ele”.

O coveiro se emocionou diversas vezes nos 27 anos em que trabalha no cemitério, mas, nunca se esqueceu de quando ajudou no sepultamento de uma das pessoas mais importantes de sua vida. "Não teve nada mais triste na minha vida, meu pai estava morto dentro do caixão e perto das minhas mãos, dei meu adeus colocando ele embaixo da terra. É o meu serviço", lembrou Francisco com os olhos marejados de emoção por lembrar-se da triste ocasião onde fez questão de sujar as mãos de terra e enterrar o pai.Tantos anos trabalhando numa mesma função, Francisco já viveu muitas emoções e pretende continuar trabalhando na área para se emocionar mais ainda. “Eu não me vejo em outra profissão, estou satisfeito, sou feliz. Acho que nasci coveiro e vou morrer assim”.

Medo
Quando questionado se ele tem medo dos mortos, soltou uma gargalhada. “Até agora não escutei nenhuma voz do além. Não acredito em espíritos só em Deus porque os mortos não fazem mal algum, tenho medo de gente viva, são eles que mais perturbam a gente aqui no cemitério fazendo vandalismo. E se eu ficar com medo não ganho meu dinheiro. Depois de longos anos a gente se acostuma afinal o emprego existe e alguém tem que enterrar os mortos pra sobreviver. É uma profissão como outra qualquer".

“Eu já pus na minha cabeça: já enterrei nem sei quantas pessoas e algum dia alguém vai me enterrar. Quando eu morrer minha vontade é ser enterrado aqui nesse cemitério, aí vou atentar todo mundo, vou ser o primeiro fantasma”, complementa meio a gargalhadas. Francisco encontrou na família a força para suportar as adversidades e se considera um homem feliz. "Pobres, ricos, bonitos, feios, todos morrem. E sempre vai ter gente dependendo do nosso serviço assim como eu que quando morrer alguém vai sujar as mãos de terra e me enterrar”.

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