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10/01/2014 16:04

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Estação ferroviária de Ligação completa 100 anos em 2014 com história cercada de mistérios

História de MS

A aproximadamente 28 quilômetros da Capital, repousa em silêncio um pequeno complexo de edifícios ao lado da rodovia BR 262 (saída para Três Lagoas) num vale abaixo da altura da pista. Dentro dos veículos que transitam em alta velocidade, muitos não imaginam que o pequeno vilarejo cravado por uma caixa d'água de 130 mil litros teve seu momento de glória no ano de 1914 - marco da união entre as duas partes inacabadas da Companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.

Em 2014, a estação ferroviária de Ligação completa 100 anos, envolta por uma história que foi crucial para a ascensão de Campo Grande. Na época, a cidade tinha em torno de 20 mil habitantes e sem muitas perspectivas de crescimento, segundo dados do Censo de 1920. A ferrovia proporcionou uma mudança radical para a economia e o estilo de vida daquela população sertaneja, já que não era mais necessário fazer longas viagens a cavalo ou em carros de boi.

 

Estado atual de Ligação. Foto: Geovanni Gomes

Ao chegar à pequena estação centenária, a equipe do TopMídia News encontrou um cenário desolador. Quase em ruínas, Ligação resiste a duras penas por conta da falta de manutenção do decretado Patrimônio Histórico da União. 

Resistência - Dona Enedina (60) e seu Pereira (66) arrendaram há 10 anos uma casinha de madeira que fica ao lado da estação. Ao falar sobre o local, o casal se entristece de ver as condições pelas quais Ligação se encontra atualmente. "Acredito que aqui ainda esteja de pé porque a gente tenta zelar. Não temos dinheiro para arrumar. Tenho dó de ver tudo desabando desse jeito", relata dona Enedina, mais conhecida como Dina mesmo.

 

Dona Dina abre o único cômodo em que é possível transitar. Foto: Geovanni Gomes

Para o Seu Pereira, a vibração causada pelo trânsito das locomotivas e seus vagões contribuíram para deteriorar ainda mais a estação de Ligação. "A cozinha que fica aqui no fundo já rachou de fora a fora. Tem um quarto ao lado que nós nem nos atrevemos a entrar porque provavelmente deve haver cobras e temos medo. Certa vez, veio um engenheiro avaliar a estação. Ele nos disse que vai custar mais de um milhão de reais para restaurar tudo aqui. Só escutamos conversa, não tem sequer uma previsão definitiva para a restauração", conta.

Cemitério abandonado

Logo à frente, entre a estação ferroviária e a rodovia, jaz em ruínas um pequeno cemitério onde os funcionários da antiga NOB (Noroeste do Brasil) enterravam seus mortos. Dona Dina relata que a maioria dos corpos enterrados é de filhos de ferroviários, já que na época, as famílias dos "turmeiros" eram acometidos por diversas doenças devido à falta de condições de saneamento e saúde no local.

 

 Cemitério abandonado de Ligação. Foto: Geovanni Gomes

"Várias crianças estão enterradas lá. Geralmente, ficavam doentes e acordavam já mortas. Hoje, está tudo quebrado, acho que as enxurradas foram derrubando tudo. Ali existe muita história."

O batismo de um cadáver - Seu Pereira conta que há muitos anos (para ele, mais de 40, pois não soube precisar), um bebê foi encontrado morto jogado junto à linha férrea de Ligação, envolto num pequeno cobertor. 

Procuramos o funcionário aposentado da NOB, Neri Fogaça Garcia, que hoje mora na Capital, mas trabalhou durante 17 anos em Ligação, para contar como sucedeu o caso do bebê morto. "Até onde eu sei a mãe deu a luz dentro do trem, enforcou o bebê com o próprio cordão umbilical e o jogou lá em Ligação. Os agentes encontraram o corpo já sem vida. Eles fizeram um batismo simbólico e velaram o bebê na estação. Depois o enterraram naquele pequeno cemitério. Quem morava lá na época ficou indignado, foi uma tristeza. Era uma menina", conta.

Suposto túmulo do bebê encontrado morto ao lado da linha férrea de Ligação. Foto: Geovanni Gomes

Assombrações em Ligação

Após duas privatizações sucessivas no período pós- governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (1999), Ligação ficou ainda mais sucateada. Bastou para que tal atmosfera de abandono povoasse a imaginação de muitos a respeito dos "causos" sobre as aparições sobrenaturais, luzes e entidades que supostamente frequentariam o local.

Dona Dina conta que há muitos anos existem histórias sobre as luzes que aparecem em cima da enorme caixa d'água ao lado da estação, locomotivas antigas com maquinistas fantasmas do início do século, conversas entre os mortos, trazidas pelo vento e etc. "Eu sei de muita coisa, vi outras esquisitas, mas prefiro não comentar", relata desconfiada.

Seu Neri também diz que as histórias de assombrações junto a estações ferroviárias são comuns. "Quando muita gente fala, você desconfia, né?" Já a sua mulher, Sueli Santos Fogaça (59), também filha de ferroviário, diz não acreditar em nada dessas conversas. "Para mim, tudo o que ocorre são fenômenos da natureza, explicados à luz da razão. Não acredito", afirma Sueli, formada em Física.

 

 Seu Neri trabalhou 17 anos em Ligação e mostra a carteira de trabalho. Foto: Geovanni Gomes

Saudades

Foto do dia da Ligação em 1949. ARCAAssombrada ou não, Ligação é um ponto essencial para o entendimento da história de Mato Grosso do Sul. Emilio Schnoor, engenheiro a serviço da Noroeste do Brasil, definiu em 1907, o trajeto da ferrovia que sairia de Bauru, mas estava indeciso quanto ao destino a ser escolhido: Bauru - Cuiabá ou Bauru - Corumbá?

A estação de Ligação uniu as duas frentes de trabalho (Ligação entre Porto Esperança e Bauru). E com ela, proporcionou um desenvolvimento local sem precedentes. Hoje, quase destruída pelo tempo, está muito longe de receber o mesmo prestígio que teve outrora. Seu Neri foi enfático ao defender a restauração da estação. "Acredito que Campo Grande não respeita a sua história. Tenho saudades do trem e Ligação está às traças. É preciso fazer alguma coisa para preservar o que ainda restou por lá", desabafou.

Procurada pela reportagem, a assessoria da Superintendência do Patrimônio da União no Estado de Mato Grosso do Sul, órgão responsável pela Estação de Ligação, não se manifestou até o momento do fechamento desta matéria. 

Fonte: 
QUEIROZ, Paulo Roberto Cimó. As curvas do trem e os meandros do poder - o nascimento
da estrada de ferro Noroeste do Brasil (1904-1908). Campo Grande: UFMS, 1997.

ARRUDA, Ângelo Marcos Vieira. História da arquitetura de Mato Grosso do Sul - origens e
trajetórias. Campo Grande: Edição do Autor, 2009.


Foto da inauguração da Ligação. Fonte: ARCA

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