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Mestre ensina a arte de fazer um bonsai durar

Amor e Arte

21 fevereiro 2014 - 11h45Por Vanessa Ricarte

A tradicional cultura japonesa é cercada por segredos passados de geração em geração. A ideia do mestre e aprendiz data do século 12 em um Japão feudal e chega ao século 21 ainda cercada de mistérios que apreendem a atenção dos entusiastas pelos costumes japoneses. Um deles é o Bonsai - uma arte repleta de técnicas e que salta aos olhos, tamanha a beleza das plantas.

Muitos se questionam como fazer um bonsai durar anos e até mesmo décadas sem que as pequenas árvores morram secas - essa é a principal reclamação dos clientes de Julio Sato, 52 anos, autoridade no assunto em Campo Grande e até mesmo no Brasil em se tratando do cultivo de bonsais.

O mestre começou a aprimorar a técnica ainda jovem. "Fui para o Japão e fiquei pouco tempo, apenas dois anos e oito meses. Eu já gostava de bonsais, pois meu avô amava podas e isso acabou passando pra mim. Mas lá não existia curso específico na época. Fui apresentado aos mestres da arte pelo meu padrasto que era japonês. É preciso haver indicação e é muito difícil adquirir conhecimento, pois eles mandam a gente aguar as plantas por 3 anos e depois podar por mais 2", brinca seu Sato com um sorriso cativante de quem entende o quanto é difícil "arrancar" informações seculares dos japoneses.

Pergunto se as pequeninas árvores compradas em supermercados podem ser consideradas genuínos bonsais. "Sim, com certeza. Bonsai é qualquer planta cultivada em vasos eu bandejas. Porém, muitas vezes o cliente já compra um bonsai condenado por falta de adubação adequada, sol e água. Geralmente, morrem de dentro para fora", disse o mestre resoluto.

Realidade versus internet

Julio explica que várias pessoas o procuram porque gostariam de aprender a mexer com bonsai, mas as buscas pelo assunto no Google acabam dificultando ainda mais o aprendizado. "A internet está cheia de controvérsias. Para o Ipê branco, por exemplo, eu desenvolvi um tipo de substrato único, já que é uma planta típica do nosso cerrado. Depende do clima, da umidade relativa do ar e etc. Se eu mexer com uma planta da região do nordeste, eu tenho que corrigir o substrato para as condições climáticas daqui", explicou.

 

Magnífico bonsai de ipê. Foto: Vanessa Ricarte

O mestre Sato defende que, a exemplo do pinheiro, "nem todas as espécies dessa planta se adaptam aqui, pois umas precisam de neve para se hidratar".  Quando me refiro a um dos lindos bonsais que mantém no fundo de sua floricultura, Júlio de pronto explica: "esse é um acer tridente com mais de 30 anos, árvore símbolo do Canadá, mas agora está todo descabelado", conta o mestre e damos risadas juntos.

 

Acer tridente "descabelado", segundo Julio. Foto: Vanessa Ricarte 

 

Técnicas específicas

O mestre Julio conta alguns dos segredos que fazem dos seus bonsais, composições naturais e harmônicas - singulares no Brasil. Uma delas é a forma de plantio no vaso. "Podemos fazer um bonsai começando pela semente, uma estaca ou mesmo plantar no chão e depois de crescido, passar para uma bandeja. Existe uma técnica chamada yamadori (plantado no mato, na serra) e matidori (plantado na cidade). Esse acer tridente só veio o pau, a madeira, não veio nada de folha!" - mostrando a impressionante técnica que fez um mero pedaço de pau se tornar uma fulgurosa planta.

 

Bonsai que um dia foi um pedaço de pau. Foto: Vanessa Ricarte

 

Adubação

Um dos grandes problemas no cultivo de bonsais, segundo Julio, é a formulação dos substratos - alimentos para que as plantas possam se desenvolver adequadamente. "São poucos os bonsaístas que levam em consideração esses pequenos detalhes, por isso os bonsais dos desavisados morrem."

"Quando eu me refiro à questão do substrato, digo a composição do vaso. Existem aqueles que utilizam caco de telha, tijolo, areia grossa mais o NPK (nitrogênio, fósforo e potássio). Já os bonsaístas internacionais usam pedras vulcânicas porosas sem valor nutritivo, conhecidas como akadamas e também com NPK. Eu faço diferente: formulo 3 tipos de substratos - para coníferas, flores e frutos e apenas folhas. Aí entra um percentual de pedrisco, terra, adubação, coco de vaca, de galinha, húmus de minhoca, por isso elas têm matinho", revela o mestre.

 

Bonsai gigantesco sobre a fachada da floricultura. Foto: Vanessa Ricarte

 

 "Comparo os bonsais dessa forma: o menino que anda descalço pelo chão e outro criado dentro do apartamento. Evidentemente, o que anda no chão terá mais resistência e longevidade."

E é justamente a presença da pequenina forragem nos seus bonsais que torna seu trabalho tão especial. "Nos meus bonsais dá mato. Nos outros, você pode reparar que não dá. Você já viu lavoura sem mato? É um ecossistema e faz parte da vegetação. Eu visualizo e defendo isso. O mato forma uma cadeia de micro-organismos que dá proteção à planta."

 Bandeja com forração densa. Foto: Vanessa Ricarte

É possível ter um bonsai em apartamento?

Quando faço essa pergunta, logo vejo o semblante de aflição do mestre Julio. Afinal de contas, o bonsaísta defende que a planta precisa se desenvolver sob a luz do sol - o que pode ser difícil em apartamentos sem área externa. "O bonsai necessita da luz do sol, pois é feito de madeira lenhosa ou semi-lenhosa e ele precisa dos raios ultravioletas para hidratar a sua madeira, já que não é um cipó. Tem que ser cultivado na parte externa da casa. Aí muitos dizem que deixam o bonsai fora de casa e à noite dentro, mas acabam morrendo. Aí eu digo: a planta tem pé, mas não anda!"

O Curso

O mestre bonsaísta explica que atualmente dá cursos particulares e já tem muitos adeptos em Campo Grande. "É um curso intensivo, com 8 horas de duração. Eu ensino poda aérea, aramação, substrato, ambiente, irrigação... e 'papapa' vai indo... A pessoa acaba assimilando!", conta sorrindo.

Uma de suas grandes satisfações é ver a técnica se desenvolvendo na Capital, além dos elogios que recebe pela arte que produz com maestria. "Mas eu acredito que o 'mais maravilhoso' de tudo isso é poder comer uma frutinha de um bonsai que a gente mesmo fez. Na realidade, a gente só proporciona alegria para o bonsai e ele para nós", conta emocionado e arrebatado pela arte define sua própria identidade.

Mais informações, no Facebook do mestre: Julio Sato