Elisandra Padilha Rodrigues, professora de História da escola estadual Dona Consuelo Muller, em Campo Grande, achou um envolvente caminho para contar a história da divisão de Mato Grosso, cisão que originou a criação de Mato Grosso do Sul, em 11 de outubro de 1977.
Ela escreveu, no ano passado, uma peça teatral em que narra a separação dos dois estados inspirada na infância e no que aprendeu em casa, longe dos livros e das escolas.
Para produzir a obra, Elisandra recorreu a resenhas históricas, mas realçou a divisão essencialmente na perspectiva das famílias humildes.
Então, ela sustentou a peça historiando a vida dos pais, que vivenciaram a criação de MS.
Nelson Rodrigues, investigador da Polícia Civil aposentado, hoje com 80 anos de idade, e Zeni Padilha Rodrigues, 72, viraram os personagens principais da encenação, interpretados pelos alunos de Elisandra.
Até o calendário alcançar o dia 11 de outubro de 1977, a peça da professora conta o histórico do golpe de 1964, disse que o pai foi o primeiro vigilante das Lojas Americanas, o primeiro “shopping” de Campo Grande, e o que a imprensa noticiava sobre a divisão. “Vi no teatro uma forma lúdica de contar a criação de MS”, disse a professora.
A obra “O Grande Couro da Onça” – couro da onça, termo usado pela professora de História Alisolete Weingartner, que tem livros produzidos sobre o assunto em questão – começa com o diálogo de Zé (o policial aposentado Nelson) e João (Cícero Padilha, irmão de Zeni, que se chama Maria na encenação).
Os três estavam num baile. Na peça, para retratar partes do processo de divisão Elisandra invoca o canto de astros musicais como The Animal, Chico Buarque, Renato Russo, Cazuza e Zé Ramalho.
Quanto à mudança de regime, em 1964, Maria e João ouvem no rádio as razões pelas quais caiu à época João Goulart, presidente do Brasil.
CAFÉ DA MANHÃ
O assunto é comentado logo no café da manhã, a partir de uma fala de Demóstenes Martins numa emissora de rádio, então prefeito de Campo Grande.
Em dado trecho da obra, Zé e Maria ouvem, logo cedo pelo rádio, como informa na peça: “ontem, o Brasil dormiu com medo dos invasores de terra, dos sequestradores, da guerrilha. E acordou com a paz do céu, que só o regime militar pode dar ao país, com o comando do general Castelo Branco [então presidente do regime militar]”.
Maria torce o nariz assim que termina o comentário no rádio. Ou seja, já desconfia do que vinha pela frente.
Daí em diante, na peça “O Grande Couro da Onça”, a professora fala da infância, do pai, mãe e dois irmãos – Lucinéia, hoje também policial civil e Adriano, administrador rural e ela, a professora. Sempre confrontando o instante político e a difícil vida financeira da família.
Noutro trecho, Zé comenta com Maria que a gerente das Lojas Americanas disse a ele que o “consumismo” era o que ia “dar um jeito” na economia brasileira.
A professora recorda um dia em que Maria corre até a vizinha que tinha telefone para falar com o marido. Na ligação, ela diz que a filha pequena, a policial, está com febre por querer um chocolate que viu, mas não tinha dinheiro para comprar.
Maria orienta o marido a pegar o chocolate como “vale” antes do pagamento e o casal inicia uma discussão pelo assunto.
A LEITOA
Quando o tema da divisão esquenta, lá por maio de 1977, o casal trava um bem-humorado diálogo, embora abordando assunto sério para a população da época.
Maria e João começam a pensar como seria a separação. E se dividissem o território bem no meio do imóvel deles, como fariam com o chiqueiro em que criavam uma “leitoa para o Natal?”.
Ou se o banheiro construído “fora da casa” ficasse no meio da demarcação dos dois estados?
A professora conta ainda a importância da divisão no olhar de políticos daqui. Viam a separação como um ganho econômico e político para Mato Grosso do Sul.
E chega o dia. Pelo rádio, o casal fica sabendo que por lei Mato Grosso já não é um estado só. A peça termina com o hino do novo MS.