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Campo Grande

Cacique da aldeia Marçal de Souza diz que prefeitura suspendeu cobrança de IPTU

Erros em cálculos teriam motivado a interrupção no pagamento do tributo, nunca antes cobrado dos índios

05 março 2019 - 17h18Por Celso Bejarano

O cacique Daniel da Silva, 37, da aldeia indígena Marçal de Souza, no bairro Tiradentes, em Campo Grande, negou que a comunidade composta por ao menos mil indígenas da etnia terena, queira agora vender suas casas para "quem quiser", já que receberam carnês para o pagamento do IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano).

Desde sua criação, duas décadas atrás, a prefeitura não cobrava qualquer tributo dos indígenas. As famílias que lá moram pagam, sim, pela água, esgoto e energia elétrica.

A aldeia Marçal de Souza é a primeira construída no meio urbano do país. Vinte e três anos atrás a prefeitura começou a construir 135 unidades habitacionais que passaram a ser habitadas por índios vindos para a Capital das aldeias situadas nas cidades de Miranda e Aquidauana e que moravam de aluguéis ou nem sequer lugar para viver tinham (saiba mais logo abaixo).

Reportagem publicada no sábado passado (3) pelo TopMídiaNews narrou que alguns índios queixaram-se do valor cobrado de IPTU e já que tinham de quitar o tributo queriam os mesmos direitos dos não-índios, um deles o de negociar seus imóveis com quem quiserem.

Por regra, as casas das aldeias só podem ser vendidas para famílias índias. Para o cacique, o que pensa alguns indígenas não representa o desejo de toda a comunidade. A reportagem ouviu moradores da aldeia.

 

Memorial da Cultura Indígena, que recebeu o nome da fundadora, Enir Terena (Foto:Wesley Ortiz)

Daniel atua na aldeia como o chefe da área e é dele a missão de representar os interesses das famílias. Ele sustentou na tarde desta terça-feira (6), que até hoje 99% dos donos dos imóveis construídos na aldeia urbana nunca haviam recebido carnê o pagaram IPTU.

Em dezembro passado, contudo, as famílias começaram a receber o tributo e os valores cobrados eram diferenciados um do outro.

"Teve família que recebeu o carnê no valor de R$ 30; já outros, de R$ 2 mil. Isso, sim, estamos cobrando. Se formos pagar, que seja um preço justo", afirmou o cacique.

Daniel disse que buscou explicações da prefeitura e, já no dia 2 de janeiro deste ano, o assunto passou a ser debatido.

Ele afirmou também que o próprio município admitiu erros nos cálculos do IPTU e que a cobrança, ao menos por enquanto, está suspensa.

O cacique contou que o fato de a prefeitura cobrar IPTU das famílias indígenas é "inédito"    . Embora isso, ele afirmou que os índios estão dispostos a pagar o imposto desde que de "maneira justa".

Para ele, "não tem como uma família pagar R$ 2 mil pelo tributo e, outra, R$ 30. Isso é injusto. Isso, sim, protestamos".

Daniel argumentou que depois do manifesto dos indígenas, até por meio das redes sociais, ele procurou e foi atendido por representantes da Sectur (Secretaria Municipal de Cultura e Turismo), Sefin (Secretaria Municipal de Finanças e Planejamento) e ainda pela Secretaria Municipal dos Direitos Humanos por meio da coordenação de assuntos indígenas.

Além da suspensão da cobrança e revisão dos cálculos do IPTU, revelou o cacique, a prefeitura está pesquisando se o tributo deve ou não ser pago.

Por se tratar de uma aldeia indígena, teoricamente o imposto não deveria ser cobrado. Mas, segundo o cacique, o assunto tem sido motivo de discussão pelo município.

REDE SOCIAL

Rodrigo Soares Costa, 35, que iniciou o manifesto por achar alto o valor do imposto, recorreu as redes sociais. O IPTU dele foi avaliado pela prefeitura em R$ 1.945,00.

"Não acho justo isso, tenho amigos que moram em lugares mais caros e que vão pagar R$ 400", comparou ele.

Aldeia Marçal de Souza foi construída no bairro Tiradentes, em Campo Grande (Foto:Wesley Ortiz)

HISTÓRICO

De acordo com o cacique Daniel, um dos filhos de Enir da Silva Bezerra, a Enir Terena, primeira mulher a ocupar função de cacique em MS, fundadora da aldeia (ela morreu em junho de 2016), em 1973, há 45 anos, a prefeitura de Campo Grande doou uma área para a Funai (Fundação Nacional do Índio).

A ideia, à época, era construir no local, ocupado hoje pela aldeia urbana, a Casa do Índio, o que não aconteceu. Ocorre que no início dos anos 1990, a área foi invadida por um grupo de sem-teto não-índio.
Enir Terena, então, reagiu e pediu ajuda da prefeitura e também convocou os índios para seguirem para a área.

Acionado, o então prefeito da cidade, André Puccinelli (MDB), concordou em construir a aldeia para os índios, desde que o imóvel fosse devolvido ao município. E isso foi feito. A prefeitura comprou os materiais para a construção e as famílias pagavam pelo imóvel uma mensalidade equivalente a 10% do salário mínimo.

Dos 135 imóveis erguidos, 84 foram escriturados e têm como donos as famílias indígenas. Restam, ainda, 50. Com o tempo, familiares dos terena que entraram primeiro na aldeia construíram pequenos cômodos  nos fundos dos imóveis, que já somam em torno de 200.