Mais de quatro décadas depois da divisão que criou o Mato Grosso do Sul, e o separou de vez de Mato Grosso, o tema ainda desperta curiosidade, opiniões e, em alguns casos, rivalidades regionais. Mas, e as novas gerações, que nasceram em um estado já consolidado, como veem toda essa história? O sentimento de separação ainda existe ou ficou no passado?
Para entender essa questão, ouvimos pessoas que cresceram conhecendo apenas o ‘seu’ Mato Grosso, seja o do norte ou do sul. Se nas gerações anteriores a separação era discutida com mais fervor, entre os jovens o assunto gera até humor.
A professora de sociologia Lara Camila Lopes de Souza, de 23 anos, nasceu em Mato Grosso do Sul, mas cresceu no território vizinho. Para ela, o sentimento nunca foi de rivalidade, mas de deslocamento. “Nunca me senti pertencente. As culturas, apesar de já terem sido parte de um mesmo estado, são diferentes. A maneira como as pessoas observam a sociedade e até como lidam com pautas como a educação e as mudanças políticas é distinta. Aqui [em MS], mesmo sendo um estado recente e muito ligado ao agronegócio, ainda se leva a educação mais a sério e se priorizam debates e mostras culturais, enquanto no Mato Grosso, tirando a capital, se tem um sistema de crenças muito fechadas e tradicionais”, analisa.
Ela acredita que, entre os jovens, o tema perdeu força. “Os adolescentes de hoje não ligam profundamente para essa rivalidade, tirando o famoso ‘do Sul’. As novas gerações têm menos apego com essas tradições separatistas, e isso também acontece porque o estado perdeu a cultura de falar sobre o movimento de divisão com frequência”, completa.
A estudante Michele Araújo, de 32 anos, viveu a situação inversa de Lara, tendo nascido em Cuiabá, mas morando em Campo Grande desde a infância. Ela se sente mais sul-mato-grossense, ainda que reconheça qualidades dos dois lados. “Acho que os mato-grossenses são mais receptivos e amigáveis. Ambos os estados têm traços culturais influenciados pelos povos indígenas e pelo agronegócio, além de dividirem o Pantanal. Não acho que um se sobreponha ao outro. A rivalidade vem das gerações mais antigas; as mais jovens tratam o tema com mais humor do que como uma rixa”, diz. “Exceto quando alguém esquece o ‘do Sul’”, comenta.
Entretanto, fortalecer relações entre os dois estados seria algo complicado na opinião de Michele. “É uma questão mais complexa, a divisão ainda pesa na forma como as pessoas em cada estado se enxergam, mesmo após quase 50 anos”.
Divórcio?
“Somos filhos de um divórcio. É como esperar algo de um pai que não quer proximidade”. Essa é a opinião da estudante Lívia Barros, de 22 anos, que acredita que o assunto da divisão do estado é muito distante da sua geração. “Esse assunto quase não aparece nas conversas. A gente sabe que o estado surgiu da divisão, mas isso é mais uma coisa histórica do que algo que faça parte do nosso dia-a-dia. Quem é da minha geração já nasceu com o Mato Grosso do Sul formado, então a gente se vê como sul-mato-grossense e pronto”, explicou. Porém, o sentimento de não ser reconhecido ainda chama a atenção dos jovens. “Não posso negar que ficamos bravos quando algum artista, ou qualquer pessoa de fora do estado, chama de Mato Grosso e não de Mato Grosso do Sul. Acho que isso ajuda os jovens a verem ainda mais uma rivalidade com o estado vizinho”.
Ao pensar sobre o estado vizinho, Lívia vê tanto diferenças quanto possibilidades de aproximação. “Quando penso em Mato Grosso, lembro do agronegócio, do calor e de Cuiabá. A ligação maior é o Pantanal, mas, no geral, as realidades são bem diferentes. O pessoal de lá tem mais conexões com o Norte e o resto do Centro-Oeste, enquanto aqui a gente tem mais influência do Sudeste e até do Paraguai. Acho que embora estejamos próximos um do outro, não vejo mais nada que nos une como ‘amigos’. Na minha visão somos bem diferentes”.
Para ela, são os jovens que poderiam usar de recursos para tentar uma aproximação. “Acho que o que poderia aproximar seria mais troca cultural, festivais conjuntos, projetos entre escolas e universidades. A juventude é mais aberta e pode usar as redes sociais para divulgar o que temos em comum. No fim das contas, é a gente que pode mudar essa visão de ‘cada um no seu canto’.” Ainda assim, a estudante faz questão de deixar claro o que pensa sobre a necessidade dessa aproximação. “Somos diferentes. Somos filhos de um divórcio. É como esperar algo de um pai que não quer proximidade”.
Já o estudante Breno Oliveira, de 17 anos, acredita que a divisão foi necessária, mas reconhece que há um sentimento de separação entre os dois estados. “Apesar dos nomes parecidos, a cultura é bem diferente, então era preciso dividir. Mas juntos seríamos um estado enorme e muito forte. Mato Grosso é da soja, e a gente é da carne”, resume. Para ele, a rivalidade é perceptível: “Os brasileiros mesmo não sabem diferenciar MS e MT. Vejo os dois estados como rivais, mas seria bom se fôssemos mais unidos, até porque temos o Pantanal em comum”.
Entre o pragmatismo dos mais jovens e a nostalgia de quem ainda recorda o tempo em que Mato Grosso era um só, a rixa ainda segue lembrada, principalmente para quem tem que ficar relembrando a todos o local onde mora. “É DO SUL!”










