Na data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, 8 de março, trabalhar no setor industrial ainda é um tabu para a maioria das mulheres no Brasil e, em Mato Grosso do Sul, isso não é diferente. Porém, de acordo com levantamento feito pelo Radar Industrial da Fiems, essa história está mudando, pelo menos, no município de Sidrolândia.
Segundo o coordenador da Unidade de Economia, Estudos e Pesquisas da Fiems, Ezequiel Resende, Sidrolândia está entre os 10 municípios do Estado com maior contingente de trabalhadores formalmente empregados na indústria, ocupando o 8º lugar, com 3.246 industriários, ficando atrás de Campo Grande (34.777), Dourados (11.931), Três Lagoas (11.099), Angélica (5.174), Rio Brilhante (4.524), Aparecida do Taboado (3.980) e Nova Andradina (3.387) e à frente de Naviraí (3.063) e Bataguassu (2.979).
No entanto, conforme Ezequiel Resende, Sidrolândia é o 1º entre os municípios com o maior número de trabalhadores formais na indústria que tem a maior participação feminina. “Na cidade, dos 3.246 trabalhadores do setor, 1.531 são mulheres ou 47% do total, que é o maior percentual dos 10 municípios que mais empregam no setor industrial”, revelou, informando que, do total de 1.531 trabalhadoras da indústria, 75%, ou 1.151, estão no segmento de abate de aves, 13%, ou 203, no segmento de confecção e vestuário e 4%, ou 61, no segmento de abate de bovinos.
Para a secretária municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Sidrolândia, Elaine Além Brito Botton, a indústria representa atualmente 30% da empregabilidade da população do município, que foi a que mais cresceu em Mato Grosso do Sul nos últimos anos. “Sabemos que muitas mulheres são arrimo de família e essa oportunidade que a indústria dá para essas mulheres é fundamental”, ressaltou.
Elaine Botton reforça que esse percentual de Sidrolândia mostra como a mulher é importante para o desenvolvimento econômico da cidade, ocupando cargos que muitas vezes são destinados a homens, reforçando que ela também é capaz. “A Prefeitura de Sidrolândia valoriza essas mulheres e constantemente realizamos ações de cuidado com a saúde e de combate à violência doméstica porque ainda sabemos das desigualdades, mas acredito que aos poucos a mulher vem conquistando seu espaço no mercado de trabalho”, afirmou.
Frigorífico
Todo dia ela faz tudo sempre igual... Grávida de seis meses e pela segunda vez, Patrícia Frutuoso Borges, de 29 anos, acorda todos os dias às 4h20, prepara o café da manhã, come, toma banho, se arruma e pega a bicicleta para chegar por volta das 5 horas ao Frigorífico Balbinos, em Sidrolândia, onde trabalha como auxiliar de produção. Lá, a primeira coisa que faz é vestir o uniforme e, em seguida, tomar um chá. “Grávida tem muita fome! Preciso me alimentar bem para aguentar o serviço pesado daqui”, contou.
Às 5h40 o expediente começa e Patrícia passa o dia dentro da sala de cortes, onde seu trabalho é basicamente destacar a língua e as glândulas dos bovinos recém-abatidos. Das 11h20 às 12h20 é o horário de almoço, quando ela pode se alimentar novamente e descansar um pouco. Depois, a atividade recomeça e vai até às 15 horas, quando volta para a casa. Lá, o trabalho não é dos mais pesados. Isso porque quando chega, o filho de 10 anos de idade já organizou boa parte das coisas e quase sempre a casa já está limpa.
“Eu não gosto dessa história de serviço de homem e serviço de mulher. Eduquei meu filho para que ele aprendesse a fazer tudo, a ser independente, a se virar sozinho. Então ele sabe cozinhar, sabe lavar uma roupa, sabe cuidar da casa. Quando ele casar, não vai precisar que a mulher faça tudo e vai dividir os afazeres domésticos com ela. Acho que se a gente quer ter um mundo mais igual, a gente precisa educar nossos filhos desde pequenos para esse mundo”, afirmou a industriária.
Curiosa desde pequena e com vontade de aprender, Patrícia começou a trabalhar assim que fez 18 anos no frigorífico de aves da Seara, também localizado em Sidrolândia, onde trabalhava no controle de qualidade industrial. O ambiente logo fez com que ela ficasse encantada com a indústria, mas o que ela mais queria era trabalhar com animais maiores. “Foi assim que me mudei há cerca de 10 anos para Rochedo para trabalhar no frigorífico de bovinos. Aí quando soube que Sidrolândia teria um frigorífico de bovinos também, tratei de voltar e estou aqui há um ano e três meses, desde o início das atividades do Balbinos”, recordou.
Ela é uma das 78 mulheres de um total de 280 funcionários que trabalham no frigorífico. Quando começou, trabalhava no controle de qualidade industrial, mas a vontade mesmo era de pegar na faca e ajudar na sala de corte, por isso sempre observava os colegas mais experientes e sempre perguntava sobre o trabalho, tirava dúvidas e conversava sobre o trabalho. Foi nessas conversas que contou a um dos gerentes que seu sonho mesmo era ser faqueira. “Acho a coisa mais linda uma mulher faqueira, porque é muito difícil ver uma mulher trabalhando dentro da sala de corte. Quando eu vejo uma fazendo a culatra, que é o reto do boi, e costuma ser um trabalho muito pesado, meu olho brilha, porque é uma atividade predominantemente masculina”, destacou.
Aos poucos, Patrícia foi tendo a oportunidade de usar a faca e ajudar nos cortes, geralmente quando algum funcionário do setor faltava. “A primeira vez que peguei a faca eu fiquei muito feliz, mas muito insegura, com medo de não dar conta. Afiar uma faca foi a coisa mais difícil, eu era muito desajeitada, mas aos poucos fui pegando o jeito e hoje sei que sou uma excelente funcionária”, garantiu.
Mas a caminhada não é fácil. Dentro do próprio Balbinos ela já se sentiu pressionada por ser mulher. “Tinha um líder extremamente machista que vivia dizendo que eu não daria conta, que a atividade dentro do frigorífico não era para mulher. Teve uma vez que eu até chorei, mas outros colegas me deram força, me ensinaram e muitos dizem que preferem trabalhar com mulher, porque elas costumam ser mais cuidadosas na hora de carnear”, completou.
Independência
Espaço que Hélida Menezes da Silva, de 31 anos, demorou para descobrir que existia. Criada pela mãe e pelo padrasto, com quem tinha uma relação extremamente difícil, viu no primeiro namorado que encontrou, ainda aos 14 anos, a única chance possível de sair de casa. “Eu fui criada para ser dona de casa. Era da mãe e do pai, no meu caso padrasto, para o marido. Nunca fui incentivada a estudar, trabalhar e cuidar da minha vida”, revelou.
Depois de casada, um curso de costureiro industrial do Senai chamou sua atenção e ela decidiu se matricular. “Mas fiz por fazer. Não levei muito a sério e nunca achei que fosse trabalhar na área. Tanto que meu emprego foi aos 20 anos, depois desse curso, para melhorar a renda em casa, mas foi na Seara. A oportunidade de trabalhar na Tip Top apareceu só há quatro anos”, relembrou.
Hoje, Hélida e mais 159 mulheres integram a equipe da Tip Top, que conta com um total de 180 funcionários. Trabalhar na empresa fez com que ela amadurecesse muito e crescesse pessoal e profissionalmente. Quando começou na indústria de confecção como costureira, apreensão e insegurança eram os sentimentos que descreviam Hélida. “Tinha feito um curso havia muito tempo e nunca tinha me exercitado. A prática que tive foi apenas dentro do Senai mesmo e de repente começar a trabalhar como costureira foi difícil, mas aos poucos fui pegando o jeito e hoje chego a costurar 400 peças por dia, dependendo do modelo”, ressaltou.
A mesma determinação que teve na empresa, ela também buscou ter em casa e decidiu há dez menos colocar fim ao casamento que há muito tempo já estava desgastado. “Não estava feliz e mesmo não tendo sido criada para isso, eu aprendi que posso ser independente e ter a vida que eu quiser. Não estava feliz e quis me separar. Hoje cuido sozinha dos meus dois filhos e como eles já são adolescentes, nós ajudamos com os afazeres domésticos. Ensino o menino, que tem 15 anos, a cuidar da casa do mesmo jeito que ensino a menina, que tem 12, e explico que eles precisam aprender a fazer tudo, mas, principalmente, precisam estudar e conseguir um bom emprego e ser independente” argumentou.
Do chão de fábrica à gerência
Localizada no centro de Sidrolândia, a Confecção Priscilla Malhas é uma das empresas que contribuem para o percentual expressivo de mulheres empregadas na indústria do município. Do total de 41 funcionários, 33 são mulheres e, para a empresária Priscilla Depiné Struck, o número não é coincidência. “Como é uma indústria que envolve costura, é muito mais fácil encontrar mulheres com essa qualificação do que homens, talvez porque ainda haja preconceito por parte deles de fazer atividades que são mais comuns entre o público feminino, mas nós já tivemos homens na linha de costura também”, afirmou.
A empresa já tem 35 anos e era tocada pelo pai e pelo tio da empresária, que é formada em Educação Física e dava aulas, mas decidiu há mais de 10 anos assumir os negócios da família e passou a gerenciar a produção. “Não tive nenhuma dificuldade porque sempre estava presente antes de assumir a confecção e acho que ser mulher foi algo mais positivo do que negativo porque, com a maioria de funcionárias mulheres, sempre soube lidar muito bem com elas, entender os problemas e ajudar a apresentar soluções. E elas também sempre se sentiram à vontade em me contar alguma dificuldade”, contou.
O clima na empresa realmente lembra o de uma família e as funcionárias se sentem muito confortáveis com o ambiente de trabalho. Aos 42 anos de idade, Solange Marques Flores teve um único emprego: auxiliar de produção na Priscilla Malhas. “Eu tinha 17 anos e estava procurando um emprego. Ouvi falar daqui e vim me candidatar, mas não fazia ideia de como usar uma máquina, não sabia nem pregar um botão. Hoje eu sou uma das chefes da costura e tudo o que sei aprendi aqui. Além disso, podemos contar umas com as outras, desabafar, reclamar dos problemas, nos ajudar, porque somos quase todas mulheres, então nos entendemos melhor”, lembrou.
Para ela, trabalhar na indústria foi um grande diferencial na sua vida. “Na época foi uma oportunidade e hoje representa tudo, porque são 25 anos trabalhando aqui. Aprendi a fazer muita coisa, fiz muitas amizades, mas acho que o fato de trabalhar fora também foi importante dentro do meu casamento, porque meu marido precisa dividir os afazeres domésticos comigo, afinal, os dois trabalham fora e chegam cansados. Acredito que hoje a mulher tem se destacado no mercado de trabalho, mas ainda fica sobrecarregada em casa. Essa é uma realidade que precisa mudar também”, concluiu.