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Entrevistas

Dos números para o abstrato, artista já apanhou por ser amante da literatura e da música

Ismael Oliveira está com exposição aberta ao público no Centro Cultural José Otávio Guizzo

13 agosto 2018 - 08h19Por Dany Nascimento

Quem foi que disse que ter um diploma significa exatamente o que vamos fazer no futuro? No caso de Ismael Oliveira, 57 anos, a faculdade de engenharia mecânica só trouxe mesmo um certificado de conclusão de curso, pois a verdadeira paixão está na arte. A influência veio do pai do artista, que incentivava o filho a ter coleções de literatura e música erudita em casa.

A paixão pela arte já deixou Ismael com olho roxo. “Ás vezes eu ia nos bailes, porque eu curtia as duas coisas, festa de arromba com disco e tudo. Uma vez eu subi e tinha o pai de um amigo, olhei e falei 'é Vila Lobos, é Bachianas isso, né?'. Comecei a conversar com o pai e o moleque apareceu. O pai dele falou 'olha, o seu amigo curte, eu sempre falo para você, que não quer saber de nada'. Depois que eu desci na festa, tomei um monte de pancada”.

Aos 38 anos, ele começou a pintar as primeiras telas até se tornar um grande profissional. Hoje, o artista apresenta seu trabalho no Centro Cultural José Otávio Guizzo com entrada franca, até o dia 30 de setembro. A exposição pode ser visitada de terça a sexta-feira das 8 às 22 horas e aos sábados das 8 às 18 horas.

Confira a entrevista completa:

TopMídiaNews:  como começou sua relação com a arte?

Ismael: começou durante a faculdade, fiz engenharia. Da minha família, eu tive algumas influências, sobretudo da música erudita e da literatura. Quando eu era pequeno, meu pai me ajudou a ter coleções de literatura, mas isso dificultou a relação com meus amigos porque a molecada gostava muito de bola, futebol, porrada, sacanagem e eu era considerado meio nerd.

Às vezes eu ia nos bailes, porque eu curtia as duas coisas, festa de arromba com disco e tudo. Uma vez eu subi e tinha o pai de um amigo, olhei e falei 'é Vila Lobos, é bachianas isso, né?'. Comecei a conversar com o pai e o moleque apareceu. O pai dele falou 'olha, o seu amigo curte, eu sempre falo para você, que não quer saber de nada'. Depois que eu desci na festa, tomei um monte de pancada.

TopMídiaNews:  como se aproximou da arte enquanto cursava engenharia?

Ismael: na faculdade, eu estudei em São Carlos (SP), que se parece com Campo Grande, uma cidade universitária. Eu tive sorte de ter alguns colegas que tiveram a mesma situação que a minha e foi então que começaram a se interessar por participar de eventos ligados a arte. Isso foi acontecendo naturalmente.

Logo que entrei na faculdade eu fui entrando para o campo das artes. Comecei a fazer fotografia, fiz curso, estudei com Paulo Pires, nome importante da história da fotografia. Estudei filosofia também. Fui lentamente me desenvolvendo para essas áreas, tive condição de família que me permitiu ser aprendiz, ser expectador. Tem pessoas que têm desenvolvimento muito rápido na vida, meu amadurecimento é mais lento.

TopMídiaNews: você acredita que a arte tem o reconhecimento que merece?

Ismael: Infelizmente no Brasil ainda não. Agora está mudando de 10 anos para cá. A família, mesmo de classe menos favorecida, tem consenso sobre importância da arte, de levar aos museus, das escolas visitarem exposições, o que na minha época era um tabu.

TopMídiaNews: como você relaciona o mundo tecnológico com a arte?

Ismael: para muitos artistas, o mundo tecnológico é uma caixa preta e, para mim, não é. A vantagem disso é que computador e outras coisas não são um bicho papão. As ciências cientificas são maravilhosas, acontece que elas viraram demônio porque criaram monstros como a bomba atômica. [Mas depende do uso]. A faca é o símbolo disso, você pode cortar a rosa e dar de presente, como pode tirar uma vida.

TopMídiaNews: como foi a experiência ao tentar fazer cinema?

Ismael: estive envolvido com pessoal de cinema em São Paulo. Percebi que, no Brasil, querer fazer cinema, sobretudo na minha época, é delirante porque cinema só viabiliza se tiver público. Eu era um idealista, utópico, achava possível fazer cinema de arte e isso era impossível. 

TopMídiaNews: como divide suas exposições?

Ismael: eu trabalho por séries, acabei nomeando elas de 'algo hífen e posições'. Por exemplo, o pai de santo quando joga búzios, ele joga e tenta ler o que caiu. Eu acho que faço isso com meus trabalhos, eu jogo búzios com as imagens. Na verdade, eu fico lendo essas posições, posições dos elementos que jogo na tela. No primeiro momento eu trabalhava com traço posições, escuro e claro, geometria e mancha. No segundo momento, eu trabalhei com sobreposições, desenhos mais figurativos, por exemplo eu desenhava cachorro, depois montanhas em cima do cachorro, ia criando coisas confusas, sobrepostas para você ver os elementos.  Nesta série eu tenho chamado de preposições, aqueles desenhos figurativos ficaram mais abstratos, então boa parte das formas que estão ali são derivadas das memórias que eu tenho de desenhar.

TopMídiaNews:  como você enxerga o trabalho que faz hoje?

Ismael: as pessoas não tem noção porque a pintura é silenciosa, a arte diferente de todas as disciplinas, esse mistério é curioso. Leonardo comparada a arte com a música, ciência. O livro, se está com problema, você fecha o livro e acabou. O disco você desliga o som e acabou, mas quando coloca pintura dentro de casa, ela mexe com o ambiente, muda tudo. Aquilo fica vibrando e mexendo com você.

A arte é uma coisa física, que ocupa um espaço, com um tempo parado, fica ali com aquela insistência visual diante de você.

Comecei a conviver de curioso próximo de artistas e eles me ajudaram. Eu quis logo fazer algo mirabolante, contemporâneo, tive sorte de ter mestres tradicionais falando que a arte começa no papel de pão. Você pega lápis e rabisca ideias, depois de produzir 400 ou 500 ideias está pronto para começar a aprender pintura.

Na época, eu estava com 38 anos fazendo serviço de meninos, fazendo ideias. Hoje vejo como somos imaturos.