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Entrevistas

Delegada Rosely Molina fala sobre violência contra mulher

Violência doméstica

19 fevereiro 2014 - 10h02Por Carlos Guessy

Nos 40 primeiros dias de 2014, a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) atendeu a 600 mulheres vítimas de algum tipo de violência dentro de casa. Crime que acontece entre quatro paredes e às vezes deixam as vítimas impossibilitadas de se defenderem, não só fisicamente, mas pelo medo ou vergonha de denunciar o agressor. É sobre estes casos acima e tantos outros parecidos que a delegada titular da Deam, Rosely Molina, conversou em uma entrevista em sua sala.

TOPMÍDIA NEWS: Quanto é o número de atendimentos na Deam? Como que é o dia a dia na Deam? 
ROSELY MOLINA: Nós atendemos 70 mulheres por dia. Estas 70 mulheres, invariavelmente, são vítima de tudo quanto é tipo de violência, dos cinco tipos de violência: física, psicológica, sexual, moral e patrimonial. E, quem são essas mulheres? São mulheres, desde as mais tenras idades, até senhoras como atendemos hoje uma de 93 anos de idades. Não existe padrão de idade, classe social, não existe isso. A gente atende todo tipo de mulher mesmo. E, não necessariamente, essas 70 mulheres que a gente atende, nos procuram para dizer que foram vítimas de algum crime, às vezes elas nos procuram para se orientar, para se informar.

TOPMÍDIA NEWS: Porque a senhora acha que existe ainda a violência contra a mulher? Depois de tanto avanço no âmbito da lei, das informações?
ROSELY MOLINA: Isso é algo que é construído, é um processo muito longo. Quanto tempo existe a humanidade? Quanto tempo que existe Brasil? Quanto tempo as mulheres vem galgando o seu espaço? Apenas em 1988 que a constituição deu direitos e garantias para as mulheres, foi daí pra frente, antes disso eram coisas pontuais. Hoje temos que pensar em uma mudança de mentalidade, nos mulheres, por quê? Se pararmos para fazer uma reflexão pra saber como que criamos os nossos filhos? Será que temos essa abertura, essa consciência das coisas ou nós mesmo que inconscientemente não temos resquícios da cultura machista, dessa cultura patriarcal. Não é no estralar de dedos que as coisas vão se resolver, é um avanço, vamos conquistando. Olhando pra trás avançamos muito, nossa, muita coisa boa já aconteceu. Mas o enfrentamento da violência é uma busca constante porque atingem todas as idades, todas as classes sociais, todos os ramos da sociedade. Não da pra prescrever do perfil da mulher vitima de violência, não existe. Não dá pra falar do perfil do homem agressor não dá.

TOPMÍDIA NEWS: Quantos casos a Deam atendeu somente no mês de janeiro na Capital?
ROSELY MOLINA: Só em janeiro foram 569 boletins de ocorrência registrados. Nós fizemos 31 flagrantes neste primeiro mês de 2014, foram cinco homicídios e cinco estupros. As estatísticas do ano passado dá conta de que foram registrados 5.640 boletins de ocorrência, lavrados 266 flagrantes, mais 46 mandados de prisão. 

TOPMÍDIA NEWS: Existe um perfil para o agressor? Porquê das mulheres serem mais vítimas de violência doméstica?
ROSELY MOLINA: Existem muitos estudos. Mas eu acho que se trata de uma construção cultural. A sociedade é construída em cima de paradigmas, ela tem ainda essa questão de ser uma sociedade patriarcal, machista, onde o homem era considerado o provedor. A mulher não tinha essa independência toda. A mulher está conquistando o seu espaço e a sociedade tem de se adaptar a isso, principalmente a sociedade masculina. A frase que mais se fala aqui na Deam é: ‘’Se ela não for minha não vai ser de mais ninguém, envolve o machismo, as coisas que estão incorporadas, porque eles acham que são dono, que vão dispor do corpo dela da maneira que lhe convier.

TOPMÍDIA NEWS: A Deam tem projeto de funcionar nos finais de semana?
ROSELY MOLINA: Temos projeto, mas não temos estrutura. Temos um projeto nacional, que é a casa da mulher brasileira, temos o terreno. Tudo será reunido em um lugar só, ter um local onde haja todo o atendimento reunido, delegacia, ministério publico, poder judiciário, trabalho, assistência. E na parte da policia civil o governo de MS autorizou e estamos fazendo concurso neste momento. Temos mais de 50 delegados fazendo academia de policia, escrivães, médicos, peritos, papiloscopia, já estão na fase final para ir para academia. Esse ano vão ser formar muitos policiais novos, eu espero que a lotação venha a nossa delegacia.

TOPMÍDIA NEWS: Quando o agressor chega ao ponto de matar a parceira, significa que ele já havia cometido outras violências contra essa mulher antes?
ROSELY MOLINA: A violência é crescente e gradativa. Primeiro ele xinga, ele grita, ele dá um empurrãozinho, para depois partir para uma coisa pior. Quando tem o homicídio e a gente vai apurar como era o relacionamento, as pessoas que conhecem o casal falam do comportamento do agressor. Mas, essa mulher, às vezes, acredita que o amor dela vai transformá-lo. Esse é o grande erro, é acreditar que a pessoa vai mudar.

TOPMÍDIA NEWS: A senhora acredita que realmente é preciso ter um atendimento especializado para essas mulheres vítimas de violência?
ROSELY MOLINA: Sem sombra de dúvida nenhuma. Nós temos psicóloga, assistente social. O que precisa é que essas mulheres tenham conhecimento da existência desse grupo, da especialidade desse grupo e que nos procurem. Porque se a mulher não nos comunica do que está acontecendo com ela, nós não vamos poder dar o atendimento correto. Porque o crime de violência doméstica é um crime que ocorre intramuros. É algo que não se divulga, não se espalha, não se comenta. Então, a gente precisa que haja participação da vítima. A importância da participação da vítima é extrema, o relato dela é que vai direcionar todo o nosso trabalho de investigação.

TOPMÍDIA NEWS: Há quanto tempo a senhora está à frente a Delegacia da Mulher?
ROSELY MOLINA: A minha primeira lotação aqui no Estado foi a Delegacia da Mulher. Meu concurso é de 1999 e, em 2000, nós fomos nomeados e eu assumi a Delegacia da Mulher. Depois eu passei por outras delegacias, a Derf, a Denar, passei pela Defraudações e agora, no final de 2011, voltei para Deam e assumi a titularidade da delegacia. Somos aqui três delegadas e mais a equipe. O que é interessante que o pessoal da Deam é tão comprometido, tão dedicado que a gente trabalha com muita tranquilidade. O nosso pessoal é especializado, tem muito preparo para atender essa demanda toda.