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Entrevistas

Dia da Mulher: ‘melhor presente seria olhar humano sobre os nossos direitos’, diz advogada

Rachel Magrini fala sobre trajetória na profissão, preconceitos velados e o cargo de presidência na Associação de Mulheres de Carreira Jurídica

08 março 2017 - 08h30Por Amanda Amaral

‘É por me encontrar como mulher que sei a importância de lutar’. Essa é uma das frases ditas por Rachel Magrini, que em seus 17 anos de advocacia viveu na pele as diferenças de tratamento entre homens e mulheres no meio jurídico. Prestes a assumir a presidência na Associação de Mulheres de Carreira Jurídica, que possui cadeira na ONU (Organização das Nações Unidas), a advogada tem como objetivo pessoal e profissional a conquista de direitos iguais entre os gêneros.

Natural de Dourados, interior de Mato Grosso do Sul, com pais que também fizeram carreira no Direito e feminista autodeclarada, contra todos os rótulos que este título pode acompanhar, Rachel concedeu entrevista ao TopMídiaNews para falar o que, em sua visão, deve ser tópico de reflexão na data em que se celebra o Dia Internacional da Mulher. O fim do preconceito – velado e explícito – e a conquista de caminhos possíveis para a igualdade são alguns dos ‘presentes’ desejados, segundo a advogada, em tempos de intolerância e desinformação. Confira abaixo a entrevista:

Qual o trabalho da Associação e qual a responsabilidade em se assumir o papel de presidente? 

A associação é de origem francesa, tem cadeira na ONU e visa a defesa da igualdade dos direitos de gênero. Essa associação procura encontrar meios de auxiliar mulheres em seu meio no empoderamento, na defesa de seus direitos, no combate à violência que sofremos explicitamente ou implicitamente, a coação moral, os abusos, enfim, através dessa união e defesa de direitos a gente consegue aí evoluir um pouquinho. 

Esse caminho em defesa da mulher começou a se trilhar por sentir na pele o preconceito? 

Eu vejo o tanto que nós mulheres estamos perdidas. Muitas vezes acusamos os homens, dizendo que eles não sabem lidar com a mulher. Mas não, nós não sabemos. A gente não sabe quais são nossos direitos. Sou filha de uma mulher que participou de uma revolução. Nós não temos mais direitos que os homens, não é isso que estamos buscando, queremos mesmo efetivar os nossos direitos, por salários, por exemplo. Temos ações judiciais que protegem essa mulher que ganha menos que o colega homem. Se você for ao Ministério do Trabalho e denunciar que há desrespeito, a situação vai ser provida e haverá indenização por dano moral, mas você precisa saber que isso existe para ir atrás. Outra coisa que eu vejo é a violência doméstica. Por que tantas mulheres se calam? Qual o receio, já que várias sustentam a própria casa, o que mostra que o problema não é só econômico. 

Como foi sua criação nesse sentido? 

Minha mãe me mostrava muito isso, e hoje está na moda falar-se muito em educação não sexista. Eu já sabia isso há muito tempo, se eu lavava a louça, meu irmão secava, se ele varria, eu passava pano. Havia essa igualdade, então era muito natural pra mim, as escolhas que eu tinha que fazer. Quando fui estudar, ouvia muito ‘ah, mas mulher pode? Você não tem medo disso? Acha que vai conseguir?’. Levei até um choque, pensando ‘existe mesmo isso que eles estão falando?’. Conforme fui me aprofundando nessas questões, era evidente, se olharmos para o lado vamos perceber a quantidade de mulheres sem espaço, sem apoio, sem saber que têm escolha.

Há preconceito velado também no ambiente jurídico então, onde teoricamente as pessoas tiveram acesso à boa educação? 

Sem dúvidas. Esse é o ponto central da questão sobre as mulheres que já trabalham, que têm instrução e já ocupam algum cargo ou função. O preconceito é velado, é mais difícil de tirar, falam que ‘claro que pode, vocês são damas!’, mas eu não estou ali para ser dama, e sim para trabalhar, como ele. É o tipo de preconceito que a gente mais vê, porque não conseguimos encarar nem combater de frente, existe em todas as áreas. O que justifica o fato de nós só termos três deputadas e duas vereadoras? Temos direito a 30% das candidaturas, mas é muita desproporção, porque servimos apenas para preencher a cota, na hora de sermos eleitas, a resposta é clara. Quem tem o dinheiro, as lideranças dos partidos, investem apenas nos homens.

É uma análise mais profunda, mas há também receio por parte da mulher de não disputar esses cargos de alto poder por não se sentir bem vinda?

Com certeza, passa pela falta de confiança, de empoderamento. Nós já temos um monte de coisa pra fazer, então o homem sempre fala, já presenciei muito isso, ‘quem quer tal posto?’, a mulher quase sempre vai deixar algum homem tomar seu lugar, justificando que ela tem cuidados com o filho, a casa, problemas com a família. Priorizamos essa parte, somos desencorajadas a aceitar desafios de liderança, porque já acham que não vamos dar conta.

Por exemplo, tenho uma filha de dois anos e meio. Quinze dias depois do parto, fiz um cálculo e precisei trabalhar, porque era o prazo limite dos advogados, homens e mulheres. Eu não tinha preferência no regimento também, por estar amamentando. São essas questões que hoje tiram nosso direito de trabalhar. Em nenhum lugar tem lugar para amamentarmos e eu não sou a única. E as pessoas que vão nos lugares? Esse olhar humanista não tira direito de ninguém o que eu acho que temos que olhar são nossos direitos.

E em relação a esses direitos, o que já foi conquistado e o que está encaminhado?

2017 é um ano preocupante, é um retrocesso que um homem como o Donald Trump assuma uma presidência, que evidentemente ataca a mulher como objeto. Na Rússia, a violência doméstica foi descriminalizada, nós não estamos falando de países onde a mulher precisa usar burca.

Mas também há caminho que não tem volta, o que a gente já conquistou. Um exemplo disso é sermos mais ouvidas, os movimentos ativistas tem mais vozes com a internet, que é o único lugar que conseguimos irritar os homens de verdade, né, porque eles não entendem o que é o movimento. É fato que existem radicais e eu não sigo por essa linha, mas a gente evoluiu sim. Nós entendemos mais os nossos direitos, a Casa da Mulher Brasileira aqui foi a primeira do Brasil, as delegacias das mulheres que são mais humanas, ainda mais avaliando que aqui é um estado de fronteira.

Mesmo que haja mulheres que ocupem grandes cargos, como a ministra Carmen Lúcia no STF e a ex-presidente Dilma Rousseff, você vê diferença em como elas são tratadas e que haja descrédito pelo gênero?

Sem dúvidas. Quando o Collor sofreu impeachment, ninguém o criticou por ser homem e quando foi com a Dilma, a todo tempo se lembrava do fato de ela ser mulher. Ela foi eleita como Lula, o Fernando Henrique, mas na hora de ser descreditada, era apontado o fato de ela ser mulher, não saber fazer política. Se nós erramos em um cargo de poder, somos automaticamente descreditadas, mas o inverso não acontece. 

É impressionante. Meu marido é advogado e separamos nossos escritórios, cada um tem o seu, para não haver alguma situação do tipo. Na minha casa, os dois tomam decisões juntos, como uma família. Ouço muito comentário do tipo ‘é feminista? Deve ser bigoduda, mal amada’, denegrindo suas opiniões como alguém que não se encontrou como mulher, quando é justamente o contrário. É por me encontrar como mulher que sei a importância de se lutar.

A mulher que não compreende seus próprios direitos, em que se ampara?

As pessoas em condições muito menos privilegiadas, que não tiveram acesso à educação e não teve orientação, infelizmente não teve também nenhuma experiência positiva de ser mulher. Quando eu digo que a gente está perdida, também falo dessa falta de compreensão da própria mulher, que muitas vezes diz ter ‘raiva dessas que no passado queimaram sutiã’. Como assim, se foram elas que garantiram os direitos para agora a mulher poder escolher, por exemplo, em quem votar e com quem vai casar? Essas pessoas, será que sabem mesmo o que é o feminismo? O que eu quero é levar a desmistificação do que é o feminismo, que não é brigar, mas ir atrás dos nossos direitos, seja isso sutilmente ou não. 

E para finalizar, o que você gostaria que fosse de fato o grande presente às mulheres em 2017?

Seria uma excelente notícia, apesar de ler os índices e ver que ainda não aconteceram, ver que a mulher ocupa seu lugar. Incentivar as nossas conquistas e conseguir sensibilizar as pessoas que todos somos iguais, temos os mesmos direitos, porque quando essa sociedade for mais justa e menos desigual, todo mundo vai sair ganhando com isso.