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Entrevistas

03/10/2016 14:52

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Para defensor, base cristã na política atrasa debate sobre aborto em grávidas com Zika

Presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos, Joaquim Neto comenta sobre pedido polêmico encaminhado ao STF

Com a possibilidade de julgamento até o final do ano de ação que pede o direito ao aborto a mulheres grávidas infectadas com o vírus Zika, o presidente da Anadep (Associação Nacional dos Defensores Públicos), Joaquim Neto, comenta sobre alguns pontos do texto encaminhado ao STF (Supremo Tribunal Federal). 

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) têm gerado posicionamentos opostos entre os poderes e a população. No começo de setembro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao STF parecer favorável à autorização do aborto nesses casos, que podem causar microcefalia nos bebês. Contudo, o Senado e a AGU (Advocacia Geral da União) se posicionaram contra o pedido.

Em entrevista ao TopMídiaNews, o defensor cita que a ação não se limita apenas à interrupção da gravidez, a qual a análise sofre forte influência religiosa, mas também sobre a ampliação de políticas públicas para garantir saúde e condições de vida principalmente às famílias mais pobres. Confira a seguir:


Como a associação recebeu o posicionamento do Senado e quais os principais pontos do pedido? 

Recebemos o posicionamento do Senado Federal com muito respeito e naturalidade. A ação promovida pela Associação Nacional dos Defensores Públicos - ANADEP busca a implementação de políticas públicas diante da Epidemia do vírus da Zika, que atinge a população mais vulnerável, ou seja, aquelas que não têm condições de vida digna, a exemplo de não terem saneamento básico adequado, coleta de lixo, etc.

Os pedidos principais são a melhora na informação às famílias expostas ao risco ou já atingidas pelo vírus zika, como também aos profissionais envolvidos no atendimento. Requer-se ainda a disponibilização do melhor diagnóstico na rede pública de saúde (exames PCR e sorológicos IGG e IGM) e também o tratamento integral às mães e crianças afetadas com a síndrome congênita, o que envolve o fornecimento de transporte, alimentação, equipe multidisciplinar (médicos, psicólogos, enfermeiros, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, etc.). 

Entende-se ainda inconstitucional a limitação trazida ao Benefício de Prestação Continuada - BCP, que segundo a lei deve se dar só até os três anos de idade e é proibido de ser recebido conjuntamente com o salário maternidade.

O que esse risco ‘consciente’ de casos de microcefalia, já identificado em diversas pesquisas, representa na sociedade em longo prazo?

Estamos diante de uma Epidemia mundial, declarada Emergência de Saúde pela Organização Mundial da Saúde desde fevereiro deste ano. O estudo tem avançado muito acerca das consequências da infecção com o vírus Zika, sendo que em abril último ligava-se somente a microcefalia e a síndrome de Guillain Barré ao vírus, porém em julho já se falava numa síndrome congênita que envolvia microcefalia, calcificações intracranianas, deficiência auditiva e visual e artogripose. 

Portanto, caso não haja a implementação das políticas publicas pleiteadas, além de outras necessárias ou que venham a surgir, a tendência é que a cada dia uma parcela maior da população brasileira venha a ser infectada e sofra os danos decorrentes dessa infecção, que vão além dos casos de microcefalia.

Um dos argumentos utilizado pelos advogados do Senado é de que a autorização do aborto seria uma espécie de ‘seleção de melhores indivíduos’. Como o senhor poderia contrapor – se contrapõe – esse e outros pontos argumentados pelo parecer?

A Associação Nacional dos Defensores Públicos não tem como principal objetivo na ação a interrupção da gravidez, tema tratado como medida excepcionalíssima e não defendido institucionalmente. Não se fala na interrupção da gravidez como medida para se reduzir os casos de microcefalia, pelo contrário, na ação se defende políticas públicas que garantam a vida e deem o tratamento integral às mães e crianças, inclusive com a defesa de Benefício por toda a vida para essas crianças. 

O senhor considera que o fator religioso conte muito ainda para esse tipo de decisão?

Inobstante Constituição Federal afirme que vivemos num Estado laico, o que já foi reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal, a predominância da base Cristã, que dela defluem várias matizes religiosas, tais como católicos e evangélicos, faz com que temas como a interrupção de gravidez tenha grande resistência perante a sociedade brasileira. Dessa forma, o fator religioso influencia na discussão, seja em quaisquer das instâncias de poder ou de representação social, mas não deve preponderar sobre o legal e mais justo. 

Foto: Assessoria Anadep

Como a associação enxerga casos de aborto onde a gravidez não oferece riscos de saúde? 

A Associação Nacional dos Defensores Públicos não defende o aborto, tendo tratado de forma excepcional na ADI 5581, ou seja, buscou em primeiro lugar as políticas públicas faltantes à população em geral, notadamente às mães e crianças atingidas. Se implantadas as medidas pleiteadas, seguramente jamais se precisará chegar à busca de autorização para interrupção de gravidez. Na ação, quanto tratado sobre o tema, se buscou seguir as balizas já determinadas pelo ordenamento jurídico e pela jurisprudência do STF. 

Onde o problema é mais grave no país? 

O problema é mais grave junto à população pobre do nordeste brasileiro, mais precisamente nos Estados de Pernambuco, Bahia, Maranhão, Paraíba e Ceará. 

A defensoria atende muitos casos relacionados a famílias que tem de tratar uma vítima de microcefalia? Que tipo de ajuda essas pessoas têm do governo? 

O público alvo da Defensoria Pública é justamente a população vulnerável do nosso país, portanto a grande parte dessa população atingida pela Epidemia do Zika Vírus bate às nossas portas. Esse público necessita de quase tudo, desde o diagnóstico até uma tratamento integral que, nos casos de microcefalia, deve se dar em centro especializados, quase sempre distantes das residências ou mesmo das cidades onde residem essas famílias.  

Há uma previsão para que o supremo analise o pedido?

Temos trabalhado o tema com bastante responsabilidade, inclusive recentemente pedimos que o pedido de interrupção de gravidez, ante a complexidade, não seja apreciado de forma imediata, devendo haver ampla discussão por meio de audiências públicas. Segundo manifestação da Presidente do STF, Ministra Cármen Lúcia, o processo poderá ir a plenário até o final do ano para julgamento do pedido cautelar.


Por fim, gostaria que o senhor me falasse um pouco sobre a associação. O que ela representa e desde quando existe?

A Associação Nacional dos Defensores Públicos - ANADEP, representa todos os Defensores Públicos dos Estados e do Distrito Federal, num total de aproximadamente 6.000 Defensores Públicos. A ANADEP existe há 32 anos e foi responsável pela criação da Defensoria Pública no texto da Constituição Federal de 1988, buscando sempre a defesa das prerrogativas e direitos de seus membros e buscando atuar em temas de interesses nacionais na defesa de pessoas ou grupos vulneráveis, tais como a criança, o idoso, a mulher, o consumidor, a saúde, a educação, o encarcerado, etc. A ANADEP possui forte atuação no Congresso Nacional, no Executivo Federal e no Supremo Tribunal Federal. 

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