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Contra a violência doméstica, promotora já viu coisas terríveis, mas ainda acredita na Justiça

Ana Lara de Castro Camargo viu na profissão um meio de ajudar as mulheres a buscarem seus direitos

08 março 2017 - 16h53Por Liziane Berrocal

Ela parece uma menina. Ana Lara de Castro Camargo tem 42 anos. É promotora de Justiça e começou a trabalhar com direito das mulheres em 2006, com a entrada em vigor da Lei Maria da Penha. O Ministério Público criou as duas primeiras promotorias especializadas e lá foi ela. “Assumi a titularidade de uma delas e me apaixonei. Tornou-se uma experiência pessoal transformadora”, conta. 

O principal objetivo é o de espalhar a sororidade. “O que me motiva é a possibilidade de contribuir para um mundo mais justo, mais equânime. É a chance potencialidades. É a honra de disseminar sororidade. É o desafio de viver conforme o que prego”, acredita ela, que apesar de ter conquistado um grande espaço, sabe que o machismo ainda existe. 

“Sim, o machismo é uma experiência cotidiana. Que perpassa a minha vida como a todas as mulheres, apenas algumas não se dão conta disso. Ele está presente na espera da comportamento cordato, da voz mansa, da postura submissa, da inteligência menor, do visual composto. Estamos diante dele cada vez que nos olhamos no espelho e "precisamos" ser belas o suficiente, sensuais na medida certa, perfeitas na cama, na mesa e no escritório. Estamos diante dele quando nos dizem que somos competitivas e desleais. É um exercício diário contornar essa violência simbólica. É um viver de sutilezas sem fim”, acredita Ana Lara, que tem na mente, lembranças dos casos que atendeu. 

Segundo a promotora, em vinte anos no Ministério Público Estadual, são tantos os casos terríveis mas em dez anos de trabalho na vara de “Violência Doméstica”, que viu tudo mais de perto, destruindo mulheres. “Não conseguiria citar um. Mas já vi casos de surras terríveis com quaisquer objetos, queimaduras, mutilação de genitais, deformações de membros, humilhações verbais, depreciação. Estrangulamento, facadas, tiros. Enfim, escolha o que quiser e eu já vi, senti, processei e olhei nos olhos. A degradação humana me atinge profundamente e me dói”, conta emocionada. 

E como mudar isso, como conviver com isso? “Compenso com algum sopro de beleza que às vezes o mundo me dá - uma obra de arte, um encontro com a natureza, uma comida bem feita, um abraço. E vou vivendo”, garante, mesmo em meio a tanta violência. 

Ter que provar ser capaz, todos os dias, esse é o desafio

Para todas as mulheres que fazem parte do nosso especial, perguntamos a  maior dificuldade em ser mulher. A promotora não se faz de rogada. Mesmo já tendo representado o Brasil na ONU (Organização das Nações Unidas) em debates sobre os direitos das mulheres, ela ainda tem que provar sua capacidade. 

“Esse ter que se provar capaz todos os dias. Cansa. Mas eu não sou do tipo que lamenta ser mulher. Quando eu era jovem costuma dizer "Ah, como eu queria ser homem." Era pelo prazer da liberdade que eles têm e nós não. Pela certeza do que eles são e podem ser sem maiores questionamentos. Com a maturidade esse pensamento se foi. Gosto de ser mulher, por vezes é triste e fatigante. Mas é desafiador. Nós somos extraordinárias”, comemora. 

Quando a vítima se transforma em culpada, ela resolveu escrever sobre nudez para buscar justiça

Um dos assuntos mais discutidos com as redes sociais, é a exposição da mulher como forma de punição. E é preciso ter coragem para falar de nudez, já que a culpa recai na vítima, como se ela fosse culpada em ter confiado no parceiro e feito um filme ou uma foto nua. 
Ana Lara, com sua profissão, buscou além, ela viu uma forma de buscar justiça. “O livro ‘Exposição Pornográfica Não Consentida na Internet’ (Editora D´Plácido) vem da minha lida na promotoria de violência doméstica e na dificuldade em encontrar uma tipologia adequada, na ausência de estudos e materiais publicados sobre o tema. O interesse se ampliou a partir do meu Master nos Estados Unidos e na parceria intelectual que encontrei lá em Buffalo/NY com o Spencer Sydow, que é a grande referência no Brasil em direito penal informático. Estou feliz e orgulhosa desse trabalho. Esperando que seja o primeiro de muitos”, acredita. 

Desigualdade material revogada, um sonho de presidente...

“Ah, se eu fosse presidente por um dia... Ai, ai... Um dia é muito pouco, apesar de que tenho essa fama de ligada no 220v, workaholic (rsrsrs) Acho que eu revogava a desigualdade material! Para isso eu precisava ser deusa, né? Um dia na presidência e eu repensava a educação, deixava um legadinho de amor ao próximo, de fé na diversidade, de equilíbrio nas relações de poder entre homens e mulheres”, garante. 

E se fosse homem por um dia? A experiência ia contar muito

“Bom, se eu fosse homem por um dia já quarentona e experiente como sou, eu ensinava aos meus amigos que não é preciso temer a força e a libertação das mulheres. Eu diria que é preciso saber apreciar a maravilha disso, de um relacionamento afetivo com troca de saberes, com desafio de inteligência. Eu diria a meus amigos que dividir as tarefas domésticas e de criação de filhos não é favor, não faz de você nem menos homem e nem um marido mega especial, faz de você um ser humano digno e correto com suas obrigações. Eu diria a meus amigos para pararem com isso de cobrar a comida, a roupa, o peso, o batom e blá-blá-blá. Eu diria a eles para apreciarem a grandeza do que possuem, para pararem de aspirar tanto coisas superficiais. Por fim, eu diria que a vida é curta e que, no fim, só resta o que a gente amou”, aconselha.

Quer saber mais sobre o livro?

O livro será lançado na próxima sexta-feira (10) na sede do Ministério Público Estadual no Parque dos Poderes. O evento começa às 8h30 com uma palestra do Spencer Sydow,  parceiro e Ana Lara no livro. Ele vai falar sobre Escravidão Digitale os exemplares podem ser comprados pelo link: http://www.livrariadplacido.com.br/exposic-o-pornografica-n-o-consentida-na-internet-da-pornografia-de-vinganca-ao-lucro.html