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Mais que um desafio, trabalho de preservação da mata ciliar na Bacia Guariroba é essencial

29 abril 2016 - 14h15Por Kamila Alcântara e Diana Christie

Depois de um dia cansativo de trabalho, tomar um banho naquela ducha com água direto da rua, que a torna mais forte, leva embora todo o estresse diário... Mas você faz ideia de onde vem essa água ou o que aconteceria de esse fornecimento fosse interrompido?

 

Preocupadas com a questão da sobrevivência da água potável em Campo Grande, estudantes da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) trabalham no monitoramento das matas ciliares que ficam nas veredas das nascentes e pequenas “veias capilares” que formam os 360km² da bacia Guariroba, responsável por 39% do fornecimento da Capital.

 

A importância dessas árvores é complexa e apaixonante, mas essa história começou há quase dez anos, quando se percebeu a necessidade de restaurar essas nascentes. “A qualidade e quantidade de água começou a diminuir, além de o assoreamento aumentar. Então começou o processo de criação de uma APA [Área de Proteção Ambiental], com um conselho gestor e com planos de manejo. Esse projeto foi feito em conjunto com a Caixa Econômica Federal, a Agência Nacional de Águas, Águas Guariroba e a WWF [World Wide Fund for Nature]”, explicou a professora que coordena o projeto, doutora Alexandra Pinho*.

  

As alunas de Alexandra fazem o monitoramento de todas as árvores plantadas - Foto: Geovanni Gomes

Essas ações têm a intenção de diminuir os processos de erosão, restaurar as estradas, diminuir a quantidade de transporte de sedimentos para o leito dos rios e restaurar, pelo menos, 50 metros de mata ciliar a partir das veredas, que são as plantas que nascem bem do ladinho da água.  “O plantio dessas árvores, até 2011, eram feitos em forma de linhas. Foi quando trouxemos a teoria de plantio em núcleos”, explicou.

 

Por que não deu certo em linhas? Segundo a bióloga, a área em que as mudas foram plantadas não vingavam, pois algumas espécies não conseguem crescer com o sol batendo, apenas na sombra. Com isso, as chamadas braquiárias, o mato, cresciam acima da muda e sugavam todos os nutrientes do solo, acabando com a vida da planta.

 

Dessa nova forma que a pesquisadora implantou, em núcleo, forma-se “comunidades”, onde uma planta protege a outra. “A meninas, que foram selecionadas, estão monitorando as plantas, se estão crescendo ou não, quais espécies estão se dando melhor no solo. Estamos acompanhando a regeneração de todas as áreas que teve plantio”.

A maioria das árvores são nativas do cerrado - Foto: Geovanni Gomes


Árvore e sua importância para manutenção da água

A Eco 92 representa um marco nas políticas de crescimento econômico aliado à consciência ambiental, quando o mundo começou a dar atenção para a importância das árvores e quanto o desmatamento, associado ao Efeito Estufa, trazia consequências para toda sociedade.

 

Mesmo assim, ainda hoje, é necessário fortalecer as campanhas de conscientização, que não foram totalmente absorvidas pela sociedade. Vivendo em um Estado completamente rural e ao mesmo tempo rico na diversidade de fauna e flora, os biólogos lutam para que o senso comum reconheça e valorize o “verde” do Brasil, que protege o bem mais essencial para sobrevivência humana, a água.

 

“As espécies do cerrado tem enraizamento profundo no solo, armazenam maior quantidade de água no lençol freático. Quando vem a chuva, a água é percolada pelo solo, não gera escoamento superficial, faz sombreamento [que impede o alastramento da braquiária], abriga a fauna, que faz a maior dispersão das sementes. Fora que, muito importante na atualidade, essa cobertura vegetal ameniza a ação das mudanças climáticas”, ressalta a professora.


Biólogos lutam para que o senso comum reconheça e valorize o “verde” do Brasil - Foto: Geovanni Gomes

Restauração e conscientização do proprietário rural

“Eu vejo tudo isso como uma coisa utópica. É lindo o projeto, mas estamos em um Estado que a agricultura é forte e essa relação é complicada, ainda mais que o que os move é o dinheiro. Muitas pessoas já me chamaram de sonhadora, mas eu amo saber que fiz algo que vale a pena, que terá resultados anos”, desabafa a estudante Manuella Rosa Teixeira Fernandes, 24 anos, aluno no 4º semestre de biologia da Federal.

 

“Além da ação física, temos que ter a ação de conversa para sensibilizar o proprietário e ele ter mais carinho, vínculo com essas restaurações. Não sei se eles não se importam,  mas a nossa próxima ação precisa ser o trabalho educativo com o proprietário, com os capatazes que cuidam disso aqui. Fazer um projeto mais voltado para a sensibilização e conhecimento deles, para maior cuidado dessas áreas”, concluiu Alexandra.

As mudas ficam "perdidas" no meio da braquiária - Foto: Geovanni Gomes 


Cadastro Ambiental Rural

A falta de consciência dos produtores rurais se reflete, inclusive, nos constantes atrasos para adesão ao CAR (Cadastro Ambiental Rural), instituído pelo Código Florestal. O registro eletrônico prevê o controle das informações ambientais referentes à situação das Áreas de Preservação Permanente – APP, das áreas de Reserva Legal, dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Uso Restrito e das áreas consolidadas das propriedades e posses rurais do país.

 

Criado pela Lei 12.651/2012, o CAR deveria totalmente atualizado até a próxima quinta-feira (5), mas de acordo com o Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul), apenas 35% das 80 mil propriedades rurais em Mato Grosso do Sul havia se cadastrado até hoje (29). Ao todo, 18.463 propriedades rurais concluíram o cadastramento e outras 10.295 estão em fase de conclusão do procedimento, totalizando 28.758 cadastros já realizados.

 

Com o documento irregular, os produtores não terão acesso ao crédito, público ou privado, já na próxima safra, em setembro. A Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural no Congresso Nacional chegou a pedir nova prorrogação da data-limite de adesão para dezembro do ano que vem, mas o Serviço Florestal não trabalha com a hipótese porque a lei permite somente um adiamento, que já ocorreu.

 

 

*Alexandra Penedo Pinho é formada em biologia com bacharel em ecologia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), mestre em biofísica também pela UFRJ e doutora em engenharia agrícola pela UFV (Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais).