Indígenas de Dourados denunciam há mais de três anos que aviões com agrotóxicos estão sendo despejados em suas aldeias, causando impactos extremamente negativos aos moradores e ao meio ambiente.
A situação até chamada de "guerra contra os índios com uso de armas químicas" foi divulgada em matéria especial do UOL. Conforme o portal, as plantações de soja, e fazendas ao redor das aldeias do município estariam provocando malefícios a saúde dos indígenas por conta do despejo desenfreado de toxinas em suas ocas e territórios.
"Eram 4h da manhã, ainda estava escuro, e meu avô achou que estava chovendo, pelo barulho das gotas batendo no teto de lona. Quando saiu, sentiu o cheiro bem fedido e percebeu que era agrotóxico", conta Erileide Domingues, liderança da aldeia Guyraroká, no município de Caarapó.
"A gente vive no meio do veneno. Respira, come, bebe e veste o veneno que eles jogam."
A pulverização noturna com aviões é mais um capítulo da conflituosa relação dos guaranis-kaiowás com seus vizinhos fazendeiros. Os casos são tão frequentes e sistemáticos em Mato Grosso do Sul que foram definidos como "agressões químicas" pelo procurador Marco Antônio Delfino, do Ministério Público Federal, que leva à frente várias denúncias.
"É como uma guerra. Eles começaram com tiros para intimidar e tratores empurrando nossas ocas. Depois passaram a atacar a gente com veneno, que é uma arma que mata aos poucos. Eles querem correr com a gente daqui, mas nós vamos resistir", afirma Ezequiel João, liderança no assentamento Guyra Kambi'y, em Douradina.
Segundo a legislação, os aviões pulverizadores só podem voar a mais de 500 metros de distância de áreas habitadas. Não é o que se vê em vários flagrantes gravados por celulares dos rasantes e sobrevoos em terras indígenas na região.
Crianças passaram mal
Indígenas bebem água suja e são contaminados por agrotóxicos no MS. Há denúncias de crianças internadas. O problema poderia ser amenizado por um programa que instalaria cisternas, mas foi boicotado por um deputado. Leia a reportagem: https://t.co/VpNaERDU94 pic.twitter.com/WZYKhViyVr
— Repórter Brasil (@reporterb) August 16, 2018
Segundo o site, a escola na aldeia Guyraroká foi inaugurada em abril de 2019. No mês seguinte, o colégio já virava notícia: uma nuvem de calcário e agrotóxico fez quatro crianças e dois adolescentes serem hospitalizados. Eles tinham dores no peito, estômago e cabeça, além de tosse seca, falta de ar, vômitos, diarreia e irritação cutânea.
A demarcação do território Guyraroká está no STF (Supremo Tribunal Federal), onde tramita desde 2014, entre decisões e recursos, esperando uma votação do plenário. Essa demora jurídica e as ofensivas dos fazendeiros fizeram a OEA (Organização dos Estados Americanos) inspecionar as condições de vida dessa população.
Pressão e indenização
Duas aldeias de Mato Grosso do Sul conseguiram indenização depois de comprovarem nos tribunais o ataque com agrotóxico. A primeira delas foi a comunidade Tey Jusu, no município de Caarapó. Uma professora filmou em 2015 os rasantes do avião agrícola sobre a oca que serve de escola, lançando uma chuva tóxica sobre 70 moradores dali.
Na decisão judicial de 2019, o fazendeiro Francesco Canepelle, a empresa C-Vale e o piloto responsável pela pulverização foram condenados a pagar uma indenização de R$ 150 mil, a ser aplicada na educação e saúde dos indígenas.
"Minha comunidade também pediu indenização em 2015, mas não saiu até agora. Nossas roças de mandioca e abóbora ficaram escuras e morreram. Os poços e os animais também se contaminaram. Mas eles queriam outras provas. Precisa mais que isso? Tem muito filho de fazendeiro que é advogado, juiz e político. Então, as autoridades não olham muito para o lado dos índios", reclama Ezequiel João. "Por isso a gente batalha. A Justiça é que nem feijão: precisa de pressão."
Sem caça
Ezequiel João, liderança da aldeia Guyra Kambi`y, em Douradina (MS), fala da pressão que indígenas sofrem dos vizinhos fazendeiros.
Perto dali, José Aquino conta que as casas do assentamento Itay Ka'aguyrusu tiveram de mudar de lugar porque a plantação de soja avançou na direção delas. "Recuamos uns 100 metros pra dentro da mata no nosso tekohá [território, em guarani], porque desse jeito a gente não ia sobreviver. Era muito trator pulverizando ali."
Aquino diz que a caça também foi prejudicada. "Antes a gente pegava tatu, cutia e capivara no que sobrou de floresta. Agora está difícil encontrar, e a gente ainda fica com medo que o animal silvestre esteja contaminado."
A Famasul (Federação de Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul) afirmou à reportagem do TAB que difunde cursos de boas práticas e prevenção de acidentes na aplicação de defensivos agrícolas a produtores e trabalhadores do campo em todo o Estado e que acompanha as denúncias de mau uso na Justiça e aguarda o desfecho dos processos.
Enquanto isso, os guarani-kaiowá oram cantando diante da casa de reza. Pedem chuva, demarcação e alimento para Nhanderu, o Deus criador do mundo.
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