Saúde

12/10/2025 07:00

Enfermeiros denunciam falta de insumos, assédio e risco à vida de pacientes em Bandeirantes

Profissionais relatam sobrecarga, perseguição e estrutura precária no hospital municipal

12/10/2025 às 07:00 | Atualizado 14/10/2025 às 08:32 Carol Rampi
Imagens enviadas à reportagem

“A enfermagem grita por socorro, estamos ficando doentes. É triste ver o descaso que está acontecendo”. Falta e insumos básicos, precariedade, salários baixos, sobrecarga e até alimentação inadequada. Esse é o cenário do Hospital de Bandeirantes, município a 74 quilômetros de Campo Grande. 

Segundo informações de uma fonte que não quis se identificar, por medo de represálias, a situação no hospital está em decadência desde 2021. “É desde a gestão passada. Tentamos ajustes ou negociar, mas não deu certo. No ano passado, recorremos ao Ministério Público e nada resolveu. Estamos com processo contra a prefeitura também para aprovar o nosso piso da enfermagem”. 

A reportagem teve acesso às denúncias encaminhadas ao Coren -MS (Conselho Regional de Enfermagem de Mato Grosso do Sul) e é possível perceber que a saúde do município enfrenta uma situação de caos. 

Um dos pontos é a falta de funcionários e acumulo de função sem pagamentos. “Estamos fazendo funções que não são nossas e não somos remunerados. Eles também retiraram o adicional de insalubridade, com descontos abusivos”. 

Conforme a denunciante, há vários profissionais afastados com atestados psiquiátricos, que fazem uso de medicação controlada, devido à sobrecarga e cansaço extremo. “No momento tem quatro pessoas afastadas de atestado psiquiátrico ou tomando medicações para continuar naquele local. Tememos que algum colega possa tirar a própria vida, não sabemos até onde vai o trauma de cada um”. 

Estrutura e segurança

Dois pontos que também foram adicionados na denúncia foi a falta de condições estruturais no hospital. A água utilizada no hospital, dada aos pacientes e funcionários, seria imprópria para o consumo, conforme a fonte.

“Somos obrigados a encher galões em uma torneira externa, onde animais como cachorros também bebem e lambem do mesmo local. A caixa d’água apresenta fezes de pombos, gerando grave risco de contaminação”. Até mesmo a salas de cirurgias são subutilizas, e recém-nascidos dividem espaço com cadáveres. 

“A sala de parto está sendo utilizada no mesmo espaço da esterilização de materiais, o que fere todas as normas de assepsia. De forma ainda mais grave, quando ocorre um óbito, os corpos são mantidos nesse mesmo ambiente até a chegada da Pax, o que é desumano, antiético e contrário a qualquer norma de biossegurança”.

Assim como os enfermeiros e técnicos, até o vigia tem função dupla: a de recepcionista. Entretanto, isso deixa o hospital com portas abertas e a mercê de qualquer tipo de situação. 

“O acesso é livre e sem controle, [...] precisamos de um segurança no local, temos muitas ocorrências por arma branca, tentativa de suicídio e crises psiquiátricas, e diversos profissionais já foram vítimas de ameaças verbais e agressões, sendo chamados de ‘vagabundas’, ‘imbecis’ e outras ofensas”, detalhe o documento enviado ao Coren. 

Falta do básico e alimentação podre

Do básico como luvas até equipamentos e aparelhos, o Hospital de Bandeirantes respira por aparelhos. Conforme o documento, sabonete líquido, clorexidina, hipoclorito de sódio e PVPI, fundamentais para a higiene, desinfecção e prevenção de infecções cruzadas, estão em falta. 

“Faltam, inclusive, luvas em tamanhos adequados, monitores de pacientes de emergência e abocaths infantis n.º 24”. 
As condições de alimentação e repouso também são indignas. Frequentemente, as refeições servidas apresentam gosto ruim ou sinais de estarem azedas, devido ao armazenamento inadequado das marmitas. 
O local de descanso é precário: não há espaço suficiente, e muitos funcionários precisam dormir no chão, expostos a insetos e baratas. 

Repressão

Após as denúncias chegarem até o Ministério Público, funcionários relataram situações de intimidação e retaliação por parte da gestão, com mudanças de horário e local de trabalho, transferências arbitrárias para outros municípios. 

“Há relatos de funcionários que solicitaram e obtiveram autorização para trabalhar em determinado turno, conforme necessidade comprovada, e foram realocados sem justificativa — em clara atitude de perseguição”.

O que diz o município de Bandeirantes?

A Secretaria Municipal de Saúde de Bandeirantes vem a público esclarecer as questões levantadas em reportagem publicada por este respeitado veículo de comunicação:

A nova administração de Bandeirantes assumiu o mandato no dia 01 de agosto de 2025, após eleições complementares. Desde o início da gestão recebemos reclamações da população quanto ao atendimento e a infraestrutura das Unidades de Saúde em nosso município. Por isso, solicitamos ao prefeito a instauração de uma Auditoria Interna ampla, determinada por portaria publicada no Diário Oficial, no dia 01 de outubro, para verificação, análise e avaliação detalhada da situação administrativa, financeira, patrimonial e contratual do órgão, bem como a regularidade dos processos e procedimentos que se encontram em andamento.

Em relação à infraestrutura, além de estarem sendo tomadas as medidas para a entrega da reforma do novo hospital, iniciada há 05 anos e não concluída pelas administrações passadas, também estamos em estudo para a reforma das demais Unidades de Saúde.

No que se refere ao pagamento do piso salarial, a Prefeitura obedece rigorosamente o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A remuneração dos profissionais de enfermagem é complementada pelo Governo Federal atingindo o piso salarial estabelecido pela Lei 14.434/2022, que fixou R$ 4.750,00 para enfermeiros, R$ 3.325,00 para técnicos de enfermagem e R$ 2.375,00 para auxiliares de enfermagem e parteiras.

Quanto ao pagamento de adicional de insalubridade, este é realizado em estrita conformidade com o Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho aprovado em 2023, ainda durante a gestão anterior. Não sendo possível efetuar o pagamento de tal verba em desacordo com o laudo pericial e a legislação trabalhista vigente, que exige avaliação técnica especializada para determinação dos graus de insalubridade.

Esclarecimentos Específicos

Abastecimento de Água

Foram reforçadas as orientações ao Diretor do hospital quando da visita do Coren/MS, estabelecendo procedimentos adequados para o abastecimento de água, vedando qualquer prática inadequada.

Estrutura Física

Contrariamente ao alegado, a caixa d'água do hospital é fechada e adequadamente protegida. As alegações sobre presença de animais no local de abastecimento não correspondem à realidade verificada pela direção da unidade.

Espaços Hospitalares

Esclarecemos que não existe sala de parto funcionando no mesmo espaço de esterilização de materiais com mistura de cadáveres, conforme alegado. Os espaços hospitalares seguem as normas básicas de segregação de atividades.

Segurança e Vigilância

Reconhecemos a necessidade de melhorias na segurança da unidade. O vigia atualmente exerce função como recepcionista no período noturno por se tratar de atribuição operacional devidamente prevista no plano de cargos e carreiras. Contudo, avalia-se a necessidade de processo licitatório para contratação de segurança para atuar na unidade.

Insumos e Materiais

Embora tenha ocorrido falta pontual de determinados itens por ocasião da transição de mandato, a situação foi regularizada. A constatação atual, tanto in loco quanto pelo diretor da unidade, confirma a normalização do abastecimento de insumos básicos.

Condições de Trabalho

O espaço de descanso oferece as condições disponíveis na estrutura atual, contando com camas adequadas. Não há situações de funcionários dormindo no chão ou exposição a insetos como alegado.

Alimentação

Não há conhecimento ou denúncia apresentada de situações de alimentação inadequada conforme relatado.

Por fim, esta administração reitera seu compromisso com a transparência e a melhoria contínua dos serviços de saúde. A auditoria interna em andamento permitirá um diagnóstico completo da situação e a implementação de medidas corretivas. Permanecemos à disposição para esclarecimentos adicionais e reafirmamos nosso compromisso com a prestação de serviços de saúde de qualidade à população de Bandeirantes.

* Matéria atualizada às 8h32 de 14/10 com os esclarecimentos da prefeitura