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18/07/2015 14:37

Um líder e sua comunidade, o médico que uniu haitianos da Capital

O ano é 1991. Em Campo Grande, um rapaz de 24 anos chega a cidade para estudar medicina. Jean Daniel, no entanto, não fala português. Ainda assim, é fluente em três línguas: Francês, Inglês e Crioulo. Isso mesmo, Crioulo. Jean acabou de chegar do Haiti, seu país de origem.

De Porto Príncipe, capital do país, Jean é filho de pais norte-americanos. O pai é diretor de escola e a mãe, professora. Era uma fase nova na vida do rapaz. Universidade, novas perspectivas. Um mundo novo se abria. Os pais de Jean queriam que ele fosse estudar na França. Mas ele escolheu o Brasil. Motivo? Pelé.

Tente imaginar. Como se sentiria um jovem negro, que vem de um país cuja população é formada por 95% de pessoas negras, em ter um ídolo mundial do futebol de sua cor, e ainda, no “país do futebol”? É a força da representatividade.

Então, mesmo temendo a fama de “festa e folia” que o Brasil tem lá fora, os pais de Jean o deixaram vir. Ele conseguiu um programa de intercâmbio entre os dois países, e então, Campo Grande. Aqui, ele sentiu na pele os dilemas de ser um estrangeiro, de falar uma língua diferente. Mas ele conseguiu.

Jean se formou em Medicina, fez especialização em São Paulo, onde conheceu a esposa Marisa, estudou nos Estados Unidos, morou no Canadá, voltou pro Haiti e em 2011, escolheu o Brasil como destino novamente. Hoje ele é um importante líder da crescente comunidade de Haitianos de Campo Grande.

(arte: Deivid Correia)

                          O médico Oftamologista, Jean Daniel Zephyr (foto: Geovanni Gomes)

“Um líder e sua comunidade, o médico que uniu os haitianos de Campo Grande” é a última matéria da série “Um sonho chamado Brasil: haitianos em Campo Grande”.

Quem chegar aos sábados e domingos, a partir das 17h, na Igreja do Divino Espírito Santo, no Bairro Rita Vieira, em Campo Grande, vai encontrar uma cena inusitada. Os bancos de madeira viraram carteiras escolares, e uma lousa foi improvisada na parede.

Enquanto um homem vestido com roupas sociais articula palavras em Crioulo na frente da lousa, mais de 40 pessoas, entre homens, mulheres e até crianças, ouvem e participam atentamente.

Ao lado, sentada em outro banco, com um notebook à frente, uma mulher convoca, uma de cada vez, as pessoas para sentarem ao lado dela. O homem é o Dr. Jean Daniel Zephyr e a mulher, sua esposa, Marisa Zephyr.

No sábado, enquanto ele explicava em frente a lousa, Marisa escrevia currículos. O casal tem realizado um trabalho revolucionário junto a uma comunidade em formação. Eles ensinam cidadania, português e, também, solidariedade.

(arte: Deivid Correia)

                              As aulas na Igreja Divino Espírito Santo (foto: Deivid Correia)

Foi em 2011 que Jean voltou a Campo Grande, onde trabalha como oftalmologista em uma clínica na Avenida Afonso Pena, centro da cidade. O médico realiza consultas gratuitas para haitianos, e em 2013, ficou sabendo do grande fluxo migratório de seu povo que se dirigia para o estado de Mato Grosso do Sul e para Campo Grande. Haitianos que moravam espalhados por diversos bairros da cidade, que não falavam português e que passavam por diversos problemas de abuso no trabalho, na construção civil.

Jean e a esposa, Marisa, começaram a reunir os haitianos na Igreja Santíssima Trindade, na Rua Rui Barbosa, próxima a um Bairro onde alguns haitianos moravam. Aos poucos, para a surpresa do casal, a pequena “reunião” aos finais de semana, foi ganhando mais seguidores. Havia mais haitianos vivendo no Bairro Rita Vieira do que no Bairro próximo à Universidade. E a necessidade de um lugar maior se tornou urgente.

Hoje, Jean, Marisa e mais uma voluntária, Daniele, dão aulas de diversos assuntos, além da língua portuguesa, para um grupo de mais ou menos cinqüenta pessoas na Igreja Divino Espírito Santo. O número varia de acordo com a rotina diária de cada um deles.

Jean ficou sabendo de um edital na Secretaria Municipal de Educação (Semed), e inscreveu sua turma de alunos para o projeto que iniciou em 2015. São as aulas noturnas para a turma haitiana na Escola Iracema de Souza Mendonça, assumido pela diretora Tânia e pela professora Karla.

(arte: Deivid Correia)

                              Marisa Zephyr escreve o currículo de Moliere (foto: Deivid Correia)

Mais de 40 haitianos sentavam nos bancos da Igreja naquele sábado. Moliere, Junel, Camius, Lunex, Leonet e Jocelin, todos os alunos da Escola Iracema e muitos outros que não conseguem comparecer às aulas, ouviam, em Crioulo, sobre questões trabalhistas, saneamento básico e até diferenças nos materiais da construção civil.

Jean explicava a eles seus direitos básicos. Como lidar com as questões de abusos trabalhistas e identificá-las, como procurar o Sindicato e o Ministério Público do Trabalho. Também ensinava a eles, o que pagam na conta de água e de luz todos os meses, serviços que são diferentes no Haiti.

(arte: Deivid Correia)

                                                                 (foto: Deivid Correia)

Os finais de semana são essenciais para muitos haitianos que não entendem bem o português. São coisas aparentemente banais para alguém que está inserido em uma cultura e em um sistema social. Mas é um trabalho que os torna e os identifica como cidadãos.

As reuniões são dinâmicas. Apesar de Jean liderar a maioria das explicações e encontrar alunos atentos e concentrados, mais assuntos surgem de acordo com a curiosidade desse povo, que é enorme. Marisa, além de escrever os currículos, auxilia em uma espécie de teatro que é feito para que “visualizem” melhor o que é ensinado.

Como atender uma ligação de proposta de emprego, como ensinar uma localização, como se apresentar. Do menor dos detalhes às maiores questões sociais, tudo é explicado ao povo haitiano naquela sala de aula improvisada.

Aquele dia tinha a presença de uma visitante. Marly Béralus Ludgenie é uma jovem haitiana de 24 anos. Ela mora há um ano em Pedro Juan Caballero, no Paraguai, cidade fronteiriça com Mato Grosso do Sul em Ponta Porã. Marly, que estava há poucos dias visitando na casa de amigos, não tinha ideia de que tantos haitianos escolhiam Campo Grande como destino.

(arte: Deivid Correia)

                                                  Marly Béralus (foto: Deivid Correia)

Marly é mais uma jovem que não encontrou oportunidades para seus sonhos no Haiti. Ela estuda espanhol e pretende estudar em uma Universidade no Paraguai ou no Brasil. Ela contou sua admiração pelo projeto que acontece na Igreja Divino Espírito Santo. Vê esperança no trabalho realizado ali.

É o que também pensa o jovem Lunex Belzince. O trabalho do jovem haitiano impede que ele freqüente as aulas da professora Karla durante a semana, então, quando consegue uma folga aos finais de semana, é na comunidade que ele aprende português e outras questões de inserção social.

(arte: Deivid Correia)

                                                                                     (foto: Deivid Correia)

Jean explica que há uma tendência entre os haitianos que estão em Campo Grande. “Os mais jovens querem voltar e auxiliar o país. Os mais velhos pensam em ficar por aqui e trazer a família”. Ele explica que a inserção através da língua pode demorar cerca de um ano.

Esse grupo já pode ser chamado de comunidade.

É uma comunidade que utiliza a arte para comunicar sua cultura. Carregam uma paixão por música e teatro e agora eles organizam um grupo para realizar apresentações em asilos ou outros locais com pessoas em vulnerabilidade. No mês de junho, fizeram uma festa na Igreja, onde apresentaram sua cultura com a culinária e as artes haitianas. Na Escola Iracema apresentaram uma peça sobre proteção do patrimônio público. No Haiti, essa questão é muito séria.

“O Dr. Daniel... sempre falei isso... Dr. Daniel é meu pai. Ele ta sempre aqui pra ajudar nós. Ele e a esposa dele que ajudam... vem aqui pra continuar. Porque se nós aprender a falar e a escrever português, vai ficar mais legal”. É a impressão de Moliere.

Depois de cinco anos morando no Brasil, Jean, esse líder haitiano, acredita que as coisas boas são o povo e suas relações humanas, especialmente com estrangeiros. De ruim, existem as limitações trabalhistas. Limitações no trabalho não qualificado. “O trabalho é abusivo e há muita desigualdade”. “A corrupção aqui é institucional. Salta aos olhos no dia-a-dia, já que são muitos recursos e poucos chegam onde deveriam”.

(arte: Deivid Correia)

                                                                              (foto: Deivid Correia)

Ainda assim, ele acredita na construção dessa comunidade. “No Brasil estão aprendendo a ser solidários”. Explica que estão construindo um sentido coletivo uns com os outros, que não tinham no Haiti.

Com seus sonhos, eles atravessam diversas fronteiras. Chegam ao Brasil, e ainda encontram mais fronteiras: as invisíveis. De bicicleta, rasgam a cidade de Campo Grande, indo ao trabalho, participando da comunidade, estudando português, ensinando sua cultura. Cantam em sua língua latina, uma mistura de matrizes Africanas (como o Iorubá) e o Francês. Sorriem suas tristezas, riem uns dos outros. Se reconhecem como “nós, haitianos”. Os haitianos têm muito o que aprender no Brasil.

Mas também têm muito a nos ensinar. Afinal, aqui em Campo Grande, “escondidos” nas construções civis, na Escola Iracema, na Igreja Divino Espírito Santo e nos diversos Bairros em que moram, eles conseguiram alcançar o que muitos de nós brasileiros ainda não pudemos: o real sentido de uma comunidade.


Serviço:

Para ser um voluntário nas atividades da Igreja Divino Espírito Santo ou em outras questões, acesse a página no facebook, "Haitianos em Campo Grande": https://www.facebook.com/pages/Haitianos-em-Campo-Grande-MS-Brasil/826981684049878?fref=ts

Ou entre em contato com o Dr. Jean Daniel Zephyr pelo número: (67) 8463-8411 

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