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Polícia

“A Constituição fala que a decisão do júri é soberana”, diz juiz sobre julgamento polêmico

O caso gerou grande repercussão e postagem feita pela mãe de Ariany teve mais de 11 mil compartilhamentos e mensagens de indignação

30 maio 2019 - 13h45Por Da redação/JNE

A jornalista Giselli Figueiredo entrevistou o Juiz Ronaldo Gonçalves Onofri, que presidiu o polêmico júri na 1ª Vara Criminal de Aquidauana, onde Marcos Cezar de Oliveira Vera, 29 anos, que respondia por tentativa de homicídio ao promover uma verdadeira sessão de tortura de agressões a sua ex-namorada na época dos fatos, sendo que só não conseguiu finalizar o crime por conta da rápida ação da Polícia Militar. O autor teve o crime desclassificado para lesão corporal de natureza grave, conforme a sentença, em julgamento com júri popular realizado no dia 23 de maio. A vítima Ariany Evelyn Silva Fernandes, 31 anos, diz que aguardou a resposta por quase 10 anos, porém, está indignada, já que o réu cumprirá a pena em liberdade.

O magistrado explicou que, quem desclassificou a tentativa de homicídio para lesão corporal grave foram os jurados e reforçou que como a Constituição fala, a decisão do júri, que foi composto por cinco mulheres e dois homens, é soberana e tem que ser respeitada. “O Conselho de Sentença ao analisar o quesito correspondente a adequação típica, entendeu que o réu ao agir da forma que agiu (como consta no processo), ele não teve a intenção de matar, se os jurados entenderam dessa forma, então ele cometeu outro crime, que não é da competência do Tribunal do Júri, e por isso que houve a desclassificação e o processo veio para mim, como o Juiz da competência residual julguei, e a partir das provas que constavam no processo, entendi que a capitulação correta era a lesão corporal grave”.

Ainda segundo o Juiz, o julgamento aconteceu dentro dos parâmetros legais, respeitando as regras constitucionais e do Código do Processo Penal vigente. “Apresentamos os quesitos para o Conselho de Sentença que entendeu, na apreciação do quesito correspondente a adequação típica, houve um crime diverso da competência do júri, entendendo que não se tratava de uma tentativa de homicídio”.

O Juiz também relatou que rejeitou as teses da defesa sobre que o réu agiu sob legítima defesa e do crime privilegiado, uma vez que o advogado de Marcos, Juliano Quelho Witzler Ribeiro, sustentou que ele agiu sob o domínio de violenta emoção, após a “injusta provocação” da vítima, mas que mesmo assim o tribunal do júri desclassificou o crime de tentativa de homicídio. “Eu entendi que as circunstâncias do crime foram graves, diante da multiplicidade de golpes que a vítima sofreu. O réu era menor de 21 anos na época dos fatos e confessou a prática do crime, circunstâncias que devem ser reconhecidas como atenuantes da pena. Reconheci que o crime tem características de violência doméstica, já que autor e vítima foram companheiros no passado, houve um aumento de um terço da pena nesse sentido”.

Ronaldo também complementou que foi autorizado o réu recorrer em liberdade, porque ele permaneceu em liberdade durante a grande maioria das fases do processo e também pelo quanto de pena que foi imposto, no caso 2 anos, 2 meses e 20 dias. A pena imposta ao acusado não poderia ser diferente, porque a pena prevista para lesão corporal de natureza grave é de um a cinco anos, e quando a pena é inferior a quatro anos, não há regime fechado.

Sobre ter parabenizado o réu ao final do julgamento, o magistrado disse que isso de forma alguma aconteceu. “Lida e publicada a sentença no plenário, o julgamento foi encerrado, eu agradeci e retribuí os cumprimentos que me foram feitos pelo representante do Ministério Público e pelo advogado de defesa, agradeci a participação da sociedade de Aquidauana, ali representada pelos sete jurados e me dirigi ao réu dizendo que ele deveria aceitar a condenação que foi imposta pela sociedade de Aquidauana e cumprir a pena para fim de ressocialização penal e dirigi breves palavras a platéia, onde estava os familiares da vítima. Eu jamais vou parabenizar um réu, que seja por uma absolvição, uma pena mais leve, ou ridiculariza-lo diante de uma condenação mais severa, esse não é o meu papel. A minha fala ao final foi interpretada de uma maneira equivocada pela vítima e pelos familiares”, justificou o Juiz. O Ministério Público Estadual já recorreu da Sentença. Mesmo com o resultado da Sentença, onde o réu irá responder em liberdade, seu advogado de defesa não ficou contente com o resultado, também recorreu da decisão.

A revolta da vítima

Desde essa foto, quase 10 anos se passaram, mas Ariany carrega para sempre as cenas de terror que vivenciou naquele trecho escuro. Ela contou à jornalista Giselli Figueiredo que saiu do Fórum de Aquidauana com a sensação de impunidade. “De vítima, passei a ser tratada como ré, literalmente. Fui chamada de garota de programa, golpista e ladra pelas testemunhas e defesa do autor. E mesmo que eu tivesse esse comportamento, um júri composto por cinco mulheres concordou que eu merecia apanhar então? Eu fui julgada no dia, foi minha vida anterior que foi julgada, não ele, ele foi um coadjuvante no julgamento”, relatou a vítima, revoltada.

“Fui perseguida e interceptada em um local escuro, jogada no meio de um brejo e cruelmente massacrada por cerca de 50 minutos. Tive meus dentes quebrados, levei mordidas e ele ainda beijava minha boca ensanguentada, dizendo que se eu não fosse dele não seria de mais ninguém. Ele disse que iria me matar para que pudéssemos ficar juntos em outro “local”, dando a entender que me mataria e em seguida cometeria suicídio”, relatou Ariany.

“Eu te amo, amor, a gente vai ficar junto? Nós vamos ficar juntos?”. Ariany ouvia essas perguntas feita em 2009 pelo ex, enquanto ele, de joelhos, a imobilizava pelos ombros e a agredia no rosto a socos e tapas. Ela foi salva por um casal que testemunhou a agressão e chamou a Polícia Militar. Quando a equipe chegou, flagrou Marcos praticando as agressões. Ele tentou fugir, mas foi preso em seguida. Os laudos médicos atestaram derrame em uma das vistas, sinais de estrangulamento no pescoço, deslocamento do maxilar, língua quase decepada e marcas de mordidas. As lesões físicas demoraram cerca de três meses para serem tratadas, mas a lesão psicológica é difícil de ser cicatrizada.

O autor

A defesa citou supostos fatos sobre vida de Ariany. Na cidade, segundo a defesa dele, havia “comentários” de que ela era “possuidora de péssima reputação”. Mas o autor também possui um passado duvidoso já que, além desta acusação, o autor ainda possui extensa ficha criminal desde a adolescência, inclusive com passagens por estelionato, uso de moeda falsa, furto qualificado e a reincidência no crime de agressão. Marcos já agrediu outras namoradas, mas por medo, nunca o denunciaram. A reportagem teve acesso a alguns relatos feitos por meio de redes sociais.

Seu advogado, Juliano Quelho, também responde por violência doméstica, quando agrediu em 2011 sua esposa na época, com socos chutes e puxões de cabelos. Quando a imprensa tomou conhecimento do caso, o advogado solicitou que a tramitação dos autos fosse colocado sob segredo de justiça, justificando o pedido de que estava recebendo diversos telefonemas de órgãos de imprensa, já que foi advogado de defesa de Marcos Cezar, onde este agrediu gravemente sua ex-namorada, há dez anos atrás. A Justiça acatou o pedido e o caso que se refere ao advogado, agora corre em segredo de Justiça.

Comoção popular

O caso gerou grande repercussão na imprensa estadual e nas redes sociais. A postagem feita pela mãe de Ariany teve mais de 11 mil compartilhamentos e mensagens de indignação.

“Até quando nossas filhas, mãe e esposas serão covardemente assassinadas?? Quantas mulheres precisarão morrer ainda para que homens violentos sejam tratados como bandidos??? Até quando meus amigos e amigas???”, questionou, além de reclamar do comportamento do juiz, o qual, segundo ela, parabenizou o réu pelo desfecho do júri e desejou que ele siga sua vida de cabeça erguida e cumpra sua pena. “Pior, não fez nenhuma menção à vítima ou seus familiares que estavam ali presentes”, relatou Eva Fernandes, a mãe de Ariany, que finalizou dizendo estar triste e incapaz como mãe, mas sem perder a fé na Justiça de Deus.