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quinta, 28 de março de 2024 Campo Grande/MS
NOTA PREMIADA
Polícia

Em MS, empresário entregou R$ 6 milhões a golpista que tinha relógios de R$ 300 mil

Esquema derrubado pela PF, em Campo Grande, prometia milhões de reais às cerca de 60 mil vítimas; fraude ainda funciona

14 junho 2018 - 07h00Por Celso Bejarano

Seis meses atrás, a Polícia Federal prendeu em Campo Grande, Celso Eder Gonzaga de Araújo, 25 anos, por ele ter trapaceado ao menos 25 mil pessoas que investiam suas economias e a elas eram prometidos dividendos milionários por meio de minas de ouro exploradas no Brasil e, no mundo, no período do Império (1822-1889). 

A investigação andou e, agora, a PF admite que a fraude empobreceu as finanças de ao menos 60 mil criaturas. Pior que isso: a trama continua. 

Perícia da PF, consumada por estes dias, dá uma ideia do quanto de dinheiro o rapaz, ainda no xilindró, arrecadou com a tramoia. 

Celso Araújo, o Celsinho, como é mais conhecido, é dono de relógios que custam R$ 308 mil. Um só deles, apreendido pelos investigadores, da marca Rolex, foi apreçado por peritos da PF em R$ 117 mil.

E, entre as vítimas, de pedreiro a empresário, um quase octogenário que atuava na distribuição de cerveja em Campo Grande, sozinho, desembolsou R$ 6 milhões, na esperança de lucrar depois bilhões de reais. Ele perdeu tudo, mas ainda disse acreditar que terá o dinheiro de volta e com altos juros.

Relato acima é de Guilherme Guimarães Farias, delegado da PF que conduziu, em 21 de novembro do ano passado, a Ofir, operação que abalou a fraude supostamente chefiada por Celsinho.

Delegado mostra fotografias dos relógios apreendidos (foto: Mariorinaldo Moreira)

TRAMA

Era mirabolante a promessa de lucros acerca do esquema derrubado pela Ofir. Celsinho garantia aos clientes que seria herdeiro de um grupo dono de minas de ouro espalhadas pelo mundo. E que tinha créditos para receber por meio de montante bilionário a ser repatriado.

A importância girava em torno de R$ 4 bilhões e parte dessa fortuna deveria ser doada, do contrário a dinheirama ficaria interditada, bloqueada. 

Aos eventuais beneficiados, disse o delegado, exigia-se um investimento com cifras a partir de R$ 1 mil. Como garantia, Celsinho prometia rendimentos em curto prazo de até mil por cento sobre a importância aplicada.

Aceita a proposta, o golpista, segundo o delegado, mostrava aos clientes documentos fraudados e até pedras preciosas, como rubi, porções delas, ilegítimas.

Celsinho atendia em sua empresa, a Company Consultoria Empresarial, situada na parte central de Campo Grande, e dizia ser administrador de empresas exibindo um diploma falso, conforme o delegado. 

Os parceiros do empresário, Anderson Flores (tio dele) e Sidnei Anjos Peró, também presos, se apresentavam como advogados e mostravam outros diplomas falsificados.

EXEMPLO

Dois meses antes de preso, em setembro do ano passado, a Company, empresa de Celsinho, firmou um “termo de doação” com Wagner Cezar Ferreira Gusmão, morador da capital paulista.

Não é descrito no “contrato”, ao qual TopMidiaNews teve acesso, quanto Gusmão pagou à empresa, contudo, no papel é citado que ele ia receber R$ 10 milhões.

“O argumento deles [estelionatários] era o de que tinham direito a comissões sobre 900 mil toneladas de ouro extraídos de minas que nunca existiram, como exemplos na Bolívia, Brasil, Estados Unidos e até na Rússia. Sobre a carga do ouro, a empresa Company seria herdeira de 3%. Ao negociar com os clientes, Celso de Araújo sustentava que parte do dinheiro era dele e uma quantia devia ser doada. E a soma que os clientes investia seria usada em serviços burocráticos capazes de repatriar o tal dinheiro”, contou o delegado Guilherme Farias.

Joias condicionadas em saco também foram apreendidas (Marionildo Moreira)

ESPERANÇA

O empresário que perdera R$ 6 milhões para o esquema, por duas ocasiões neste ano, foi à superintendência da PF e confidenciou ao delegado a quantia "investida". 

Contudo, embora vítima da trama, ainda não admite ter sido trapaceado. “Ele acredita que vai pegar algum dinheiro de volta”, afirmou o delegado. O empresário desembolsou a quantia e entregou à Company no período de três anos para cá.

No dia da operação, em novembro passado, a PF apreendeu na casa de Celsinho Araújo ao menos dez relógios de marcas simples e valiosas como Rolex e Montblanc, avaliados em perícia no valor de R$ 308 mil e R$ 200 mil em joias.

“Ele [Celsinho] precisava mostrar aos clientes poderio econômico. Tanto que nas viagens que fazia para São Paulo, por exemplo, alugava jatos”, afirmou o delegado. O empresário, ainda segundo o policial, andava pelas ruas acompanhado de seguranças particulares. As vítimas do esquema estão espalhadas de norte a sul do Brasil.

Na PF, o delegado disse ter aberto 20 inquéritos contra o esquema. A Justiça Estadual também investiga o caso.

O delegado não acredita que todas as vítimas da trama recorram à polícia para ter o dinheiro de volta. Contudo, num cálculo metafórico, Guilherme Farias garante que um “mínimo” de denúncias contra Celsinho e os parceiros poderia resultar numa pena extraordinária, em torno de mil anos de prisão para cada um.

Celsinho e a dupla foram denunciados por estelionato (crime que motiva pena que varia de 1 a 4 anos) e formação de quadrilha (também até 4 anos de prisão).

“Vamos lá, um chute por baixo: se das 60 mil vítimas, mil denunciarem o esquema e a Justiça acatar a metade, é possível dizer que a pena alcance mil anos”, argumentou o delegado.

Guilherme Farias acha que em alguns casos como o do empresário podem favorecer os acusados com a chamada torpeza bilateral, termo jurídico usado quando a vítima também age de má-fé no caso concreto, ou seja, se vale da situação para obter lucro ilícito.

O delegado contou também que há uma série de vítimas que ainda não creem ter caído num golpe. “Eles conversam pelo WhatsApp e comentam até datas que vão receber o dinheiro. Quando chega o dia, inventam que houve problemas com o banco pagador, e por ai vai”, afirmou o policial federal.  

Além de joias, relógios e carros apreendidos, a Justiça determinou o bloqueio de R$ 1 milhão em contas bancárias administradas por Celsinho Araújo.

Origem do ouro de ofir

A operação da PF, batizada de Ofir, teve como inspiração cidade mitológica que tinha ouro de qualidade superior. Ocorre que essa região nunca fora localizada.

Os golpistas diziam ainda às vítimas que, além das minas de ouro, os lucros viriam da liberação de uma antiga LTN (Letra do Tesouro Nacional). Na hora negociar, o empresário exibia papeis adulterados que explanava a tal LTN.

Advogados de Celsinho ingressaram com recurso para soltá-lo, mas não conseguiram. Desde a prisão, o empresário conseguiu sair por um dia da cadeia graças a uma liminar concedida pelo Tribunal de Justiça, mesma corte que o mandou de novo para o cárcere.