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Política

14/05/2016 08:01

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Organizações de mulheres repudiam Frente Parlamentar contra o aborto

Foi criada na Câmara Municipal de Campo Grande, no início deste mês pelo Projeto de Resolução 293/16, a Frente Parlamentar de Defesa da Vida contra o Aborto na capital. A Frente promete aumentar ainda mais o controle sobre a prática do aborto.

Mulheres que fazem parte de organizações que defendem o direito à liberdade de gênero e de decisão sobre o próprio corpo criticaram a criação da frente. A jornalista Alessandra Marimon, 23 anos, que faz parte do Grupo de Estudos Feministas de Campo Grande, entende que a Frente é formada por pessoas que se baseiam em um pensamento que não enxerga a realidade da questão no Brasil.

“Esse país que escolheu criminalizar a liberdade de escolha das mulheres e também escolheu fechar os olhos para as consequências que a prática traz para a vida de muitas delas. Legal ou ilegal, vemos que a prática do aborto continua sendo feita e não dá sinais de vai acabar. Só que no caso do Brasil, o aborto afeta muito mais as mulheres negras e pobres que em situação de desesperam optam por métodos clandestinos e inseguros e, muitas vezes, morrem. Já as ricas têm mais chances de sobreviver e levar adiante sem tantos riscos porque podem por exemplo pagar por uma clínica no exterior e confiável. Mas nem sempre é o que ocorre, elas também podem pagar um preço muito alto por isso”, explicou, afirmando que a vigilância que será levada pela Frente não deve afetar mulheres que podem pagar para realizar abortos de modo seguro.

O que Alessandra explicou é baseado em dados do país. No Brasil, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, uma mulher morre a cada dois dias devido à prática de abortos inseguros. São cerca de 1 milhão de abortos clandestinos e 250 mil internações por complicações por ano. A Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), realizada em 2010 pela Anis (Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero) também mostra que os índices de morte ou complicações são causadas pelas chamadas “clandestinas”, mulheres pobres, que realizam o aborto em condições precárias, e que, muitas vezes, não são atendidas pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

Ainda assim, a Portaria nº 415, de 21 de maio de 2014, do Ministério da Saúde instituiu o "procedimento interrupção da gestação/antecipação terapêutica do parto previstas em lei e todos os seus atributos na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses/Próteses e Materiais Especiais do SUS", que se baseia nas Diretrizes da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher no que refere à Atenção Humanizada ao Abortamento.

Alessandra também pensa que o projeto fere o estado laico, já que segue uma linha de moral cristã sobre a definição de “defesa da vida”. “O aborto no Brasil tem sido tratado historicamente como uma questão de opiniões baseadas em princípios e costumes de uma sociedade cristã extremista e conservadora, em vez de ser tratada como deveria: com um embasamento social e científico. Porque qualquer mulher que estiver passando pelo desespero de uma gravidez indesejada vai colocar sua vida em risco já que o Estado não nos dá o direito de escolher legalmente o que queremos, então burlamos a lei. E proibir tal prática em prol da vida não se mostra apenas um discurso anacrônico e defasado, mas também revela a hipocrisia que molda nossa sociedade”.

Rosana Santos, do setorial de mulheres do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), explica que o projeto ganha força por uma sociedade que ainda enxerga o corpo e a sexualidade das mulheres como um tabu, e que não responsabiliza os homens pela paternidade. “Eu acho que os argumentos são muito rasos. Na realidade a discussão é muito mais ampla e sempre focamos no homicídio, como eles chamam. E não discutimos porque ela engravida, se ela realmente queria engravidar, se aquele homem deu a opção pra ela falar não. Eu penso que a força está no fato da gente não tem conhecimento, sobre o corpo da mulher, da sexualidade”.

Ativista da Articulação de Mulheres Brasileiras, a socióloga Nathália Eberhardt Ziolkowski, afirmou que a Frente Parlamentar se baseia em uma ideia de que a maternidade é compulsória para as mulheres. “A abordagem do tema, pelo ponto de vista dos feminismos, se dá com um pano de fundo muito importante para nós, salvar a vida de nós mulheres, e salvar nossas vidas não quer dizer apenas lutar pelo direito de escolha, mas também, lutar e contribuir para que se rompam ideias como a da maternidade compulsória, para que possamos viver a maternidade livre e desejada, se desejada e quando desejada”.

“Essa luta só será uma conquista plena quando interromper a gravidez não for mais um crime em nosso país, quando as mulheres tiverem acesso à educação sexual para escolher o que querem para si, com acesso aos métodos contraceptivos para prevenir uma gravidez e o direito ao aborto legal para não morrer”, complementa.

Para Rosana Santos, a Frente é uma “falácia” que irá cercear apenas mulheres pobres. “Eu nunca vou ver uma mulher de uma classe econômica favorável em uma UBS, em uma UPA, por ter sofrido uma hemorragia. Os médicos existem, eles ganham esse dinheiro, é uma grande hipocrisia. Se essa frente vier à tona, inclusive com recursos públicos, vai ser uma grande falácia”, criticou.


A Frente

A Frente, que deve ser formada por vereadores nos próximos dias, tem como ações “Apoiar e desenvolver ações em defesa da vida e coibindo práticas abortivas; Fiscalizar e denunciar atitudes que incentivem o aborto;  Apresentar proposições legislativas municipais de interesse a defesa da vida; Participar e promover discussões de interesse sobre o aborto. Além disso, a Frente também pretende “vigiar” a saúde, como diz o Artigo 5º. Se necessário, a Frente Parlamentar poderá realizar diligências em unidades públicas ou privadas de atendimento a pacientes e apuração de denúncias”.

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