Um filme passou na cabeça de Robson Conceição em sua primeira vitória como profissional, na noite do último sábado, em Las Vegas. Da origem humilde em Boa Vista de São Caetano, na periferia de Salvador, ao histórico ouro olímpico no Rio, o baiano de 28 anos viveu a frustração em Pequim 2008 e Londres 2012 e superou o passado difícil até chegar ao auge. Vendeu picolé na praia, água no sinal, foi ajudante de pedreiro e cozinha, acordava de madrugada para ajudar a avó na feira de São Joaquim e só voltava para casa outra vez no escuro, após trabalhar e treinar. As brigas nas ruas deram lugar a disciplina e determinação. O ciclo no esporte olímpico terminou no topo do pódio nos Jogos Rio 2016, mas o caminho de Robson no esporte ainda está longe do fim. O sonho se renovou com a busca do cinturão de campeão mundial entre boxeadores profissionais.
A vitória sobre o americano Clay Burns por pontos (60 a 54), para atletas até 59kg, provou que a escolha de se tornar profissional foi acertada. A lembrança do dia da luta segue clara na memória. Tomou um suco e um croissant no café da manhã, deu um passeio em um shopping e fez algumas compras, almoçou arroz, feijão e carne grelhada em um restaurante mexicano e correu para os ringues. A supremacia sobre o adversário foi notória do início ao fim - tanto que venceu por decisão unânime dos juízes. O próximo combate de Robson será em janeiro de 2017, mas data e adversário ainda não foram definidos. O baiano tenta adiar o compromisso para ter o merecido descanso.
- Quando venci a luta, passaram as reflexões de todo o meu início, sem apoio, sem a ajuda de ninguém, sem reconhecimento. Tinha perdido na primeira fase das duas primeiras Olimpíadas, mas não deixei isso me abalar. Depois, veio o ouro no Rio, assinei o contrato e me tornei profissional. A meta é o cinturão, com ou sem apoio, ele vai vir. Estão querendo que eu lute de novo em janeiro, mas talvez eu não lute por motivo de descanso. A preparação para os Jogos foi muito forte. Não quero treinar em ritmo de competição, e sim treinar para manter o corpo, sem compromisso. Depois das festas natalinas eu volto ao ritmo de competição - disse Robson, medalhista de prata no Mundial no Cazaquistão, em 2013, e bronze no Catar.
Há um ano e meio de volta à terra natal, Salvador, Robson não pensa em trocar o Brasil pelos Estados Unidos, muito menos ficar longe da família ou do mocotó da tia. Nem mesmo depois de descobrir o restaurante mexicano com o cardápio que o faz se lembrar de casa, o faria trocar Salvador, a "Cuba Brasileira", por qualquer cidade americana.
- Fiz a base da minha preparação aqui, do jeito que eu queria, com amor e sem pressão, perto da família. Continuo treinando em Salvador e não quero me mudar. Vou para Las Vegas umas semanas antes das lutas, faço uma base de treinamento de 15 a 20 dias, mas morar, nem pensar. Já vivi muito longe da minha família quando fazia parte da seleção e tinha de viver em São Paulo. Agora, tenho família, filha pequena de 2 anos e não penso em ficar longe - contou o baiano, pai de Sophia e casado com Erika Mattos, ex-boxeadora.
O pugilista que cresceu em Boa Vista sabe que o esporte pode transformar vidas. Desde cedo, viu a família se desdobrar pelo pão de cada dia. Ele ajudava como podia, na rua ou na feira. Antes de ir à escola, já deixava a barraca da avó montada para a venda de frutas e legumes. Em meio aos trabalhos como ambulante, na cozinha ou como pedreiro, Robson começou a treinar boxe ainda no quintal de casa. Não se imaginava nos ringues mundo afora.
Com o porte franzino, o menino que vivia brigando nas ruas queria aprimorar a técnica para lutar no carnaval de Salvador. A manopla era improvisada com sandálias de borracha. E para conseguir as ataduras, por vezes, forjava acidentes para conseguir a proteção nas Emergências dos hospitais. O esporte acabou lhe salvando da violência e apresentando um mundo de possibilidades.
- Tinha dificuldade para treinar, a academia a quilômetros de distância, mas sou brasileiro e não desisto. Acordava às 4h para ajudar a minha avó na feira, ia correndo e voltava andando. Vendia picolé, água, limão, já carreguei compras, fui ajudante de pedreiro... Fiz um pouco de tudo.
A academia era distante, mas nunca duvidou de seu potencial. Os lemas "um filho teu não foge à luta", "brasileiro não desiste nunca" e "nunca desistir, o caminho é longo, mas a vitória é certa" ainda o acompanham. Robson apanhou, apanhou, e teve o seu esforço recompensado. Hoje, é uma referência no esporte e planeja criar um projeto social, com bases de treinamento, academias e ginásios para as lutas, em um Brasil ainda dominado pelo futebol. Os ringues serviriam como vitrine aos que almejam trilhar os seus passos.
- Penso em criar bases de treinamento, com academias de boxe e ginásios, onde podem ocorrer as lutas e os lutadores possam ser olhados. Eu vim de um projeto social e tenho o pensamento de criar um. Esta oportunidade (ter virado profissional) me dará essa chance. Eu brigava bastante na rua, e o esporte me levou muito além do que eu imaginava. É isso que eu quero passar para essas crianças. Tudo mudou desde que eu virei profissional, o assédio ficou muito grande. Sou reconhecido onde eu vou, o povo pede foto, autógrafo... Tive uma recepção enorme depois da Olimpíada, um público imenso foi comemorar comigo. Não esperava tanta gente, foi uma grande surpresa. E agora quero ajudar o boxe. Não tenho a vida que pedi a Deus. Infelizmente, estamos em um país que só vê futebol e carece de outros esportes como boxe e artes marciais - finalizou.