A prefeita de Campo Grande, Adriane Lopes (PP), vetou integralmente o Projeto de Lei nº 11.115/2023, aprovado por unanimidade pelos vereadores mês passado. A proposta, de autoria da vereadora Luiza Ribeiro (PT), criava o Programa Permanente de Manejo Ético-Populacional de Cães e Gatos, considerado por entidades de proteção animal como uma política pública fundamental para enfrentar o abandono e promover a saúde pública.
O veto foi publicado nesta quinta-feira (2) no Diogrande. O projeto havia sido aprovado com 27 votos favoráveis e nenhum contrário na Câmara Municipal. A proposta previa castrações em larga escala, campanhas educativas, critérios de priorização para animais em situação de rua, acolhidos por protetores e famílias em vulnerabilidade, além de metas mensais para garantir resultados contínuos.
A vereadora autora, à época, defendeu que o município precisava "assumir sua responsabilidade" diante do crescimento da população de animais abandonados e dos impactos diretos na saúde pública. Apesar disso, a Prefeitura barrou o programa alegando "vício de iniciativa" e inconstitucionalidade formal.
Segundo a PGM (Procuradoria-Geral do Município), o texto aprovado pela Câmara invadia a competência exclusiva do Executivo ao impor obrigações administrativas, criar despesas sem indicar fonte de custeio e fixar metas quantitativas que interfeririam na gestão municipal.
Alegações do executivo
Na mensagem de veto, a prefeita argumenta que a proposta criava obrigações para o Executivo sem previsão orçamentária e, portanto, seria juridicamente inviável. Entre os pontos levantados, o parecer da PGM destaca que o projeto determinava técnicas cirúrgicas específicas (como ovário-salpingohisterectomia em fêmeas e orquiectomia em machos), algo que deveria ser definido por protocolos veterinários, e não por lei municipal.
Além disso, o Executivo sustenta que a meta de 2% da população de cães e gatos castrados ao mês seria inexequível diante do orçamento da CCZ (Coordenadoria de Controle de Zoonoses). O parecer da Secretaria Municipal de Saúde aponta que, com base no censo de 2022, Campo Grande possui 287.768 animais.
O percentual previsto no projeto exigiria 69 mil castrações anuais, número muito superior ao que a Prefeitura afirma conseguir executar: cerca de 12 mil cirurgias por ano.
De acordo com cálculos da própria gestão, seria necessário um investimento superior a R$ 15 milhões anuais, valor muito acima do orçamento previsto para o setor de bem-estar animal em 2026, estimado em R$ 6,7 milhões.
O Executivo também se ampara na Lei de Responsabilidade Fiscal e na situação financeira do município para justificar o veto. Campo Grande está classificada com nota C na CAPAG (Capacidade de Pagamento), indicador do Tesouro Nacional que limita operações de crédito. O relatório fiscal de 2025 mostra que a Prefeitura já ultrapassa o limite de alerta para gastos com pessoal, comprometendo mais de 52% da receita corrente líquida.
Para a gestão, a criação de um programa de castração com metas fixas implicaria despesa obrigatória contínua, vedada pelas regras fiscais diante da atual situação financeira. "Diante do contexto, não resta outra alternativa que não o veto total", conclui a prefeita.
Projeto que nunca saiu do papel
O veto, no entanto, contrasta com a expectativa criada após a aprovação unânime do projeto na Câmara. O programa foi apresentado como uma política pública de longo prazo, alinhada à Lei Federal nº 13.426/2017 e à Lei Estadual nº 2.990/2005, ambas voltadas ao controle populacional ético de animais.
Entre os pontos defendidos pela vereadora Luiza Ribeiro, estavam a promoção da guarda responsável, a prioridade para animais em situação de abandono, além da integração com o conceito de Saúde Única, que relaciona saúde humana, animal e ambiental. "É imprescindível que o Poder Público assuma a responsabilidade que lhe cabe na proteção dos direitos dos animais e na promoção da saúde pública", afirmou a parlamentar quando a proposta foi votada.
A decisão do Executivo, portanto, ignora um consenso político e social em torno da necessidade de ampliar as políticas de controle populacional de cães e gatos. Ao vetar a iniciativa, a Prefeitura se escora em aspectos formais e orçamentários, mas não apresenta alternativas consistentes para enfrentar um problema crônico da capital.
O município cumpre desde 2021 um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) firmado com o Ministério Público, que prevê um número mínimo de castrações anuais. No entanto, os números atuais estão longe de dar conta da demanda, principalmente devido ao crescimento da população de animais de rua.
A gestão também cita que já existe um programa de castração em andamento. Mas, enquanto o projeto de lei previa mais de 69 mil procedimentos anuais, a Prefeitura limita-se a pouco mais de 12 mil, número incapaz de alterar significativamente a realidade da superpopulação animal.
Outro ponto criticado por entidades de proteção é que a Prefeitura utiliza a justificativa da separação de poderes e do vício de iniciativa, mas não encaminhou à Câmara nenhuma proposta alternativa que pudesse suprir as lacunas apontadas no texto original.
Enquanto isso, a cidade convive com o aumento de animais em situação de abandono e uma rede de protetores independentes sobrecarregada. Com o veto total, o projeto agora volta aos vereadores. Cabe à Câmara decidir se mantém a decisão da prefeita ou se derruba o veto para tentar garantir a implementação do programa.









