Quando Tatiane Penha abre as portas do salão onde trabalha há décadas, não entra apenas gente em busca de beleza. Entra história. Entra memória. Entra ancestralidade. Em cada fileira de trança que ela faz, há mais do que técnica, há passado, presente e futuro entrelaçados.
Trancista há 30 anos, Tatiane cresceu vendo as mulheres da Comunidade Quilombola Tia Eva cuidarem do cabelo umas das outras. Hoje, ela é parte de uma tradição que atravessa gerações. “Somos três gerações. Minha mãe trançava, eu tranço, e agora minha filha também trabalha com tranças. É bonito demais ver isso acontecendo na nossa família”, contou
Tatiane contou que sua trajetória começou por necessidade. “No início, eu trabalhava com Mega Hair por causa do dinheiro. Era o que eu tinha pra sustentar minha família. Depois fui entendendo a valorização que vai passando de geração pra geração. Percebi que não era só trançar cabelo… era tocar uma história, era manter viva uma cultura viva”, relembrou.
Na comunidade, são cerca de cinco salões de trancistas e megarristas, todos funcionando como extensão da própria cultura local. “A gente trabalha assim, uma ajudando a outra. Aqui a gente não faz só cabelo. A gente conta história”, diz Tatiane.
Autoestima que nasce entre os dedos
Durante a entrevista, Tatiane explicou que o trabalho com tranças vai muito além da estética. “Muita gente chega aqui pensando só em ficar mais bonita. Mas, no fundo, muitas nem imaginam que as tranças carregam cultura. São herança da África, são memória dos nossos ancestrais. Cada traçado tem uma história que vem de muito longe”, afirmou.
Segundo ela, o impacto emocional é imediato. “Quando elas se levantam, não é só o penteado que muda. Elas saem daqui diferentes, com o rosto mais vivo, com o peito mais aberto. Saem felizes, com a autoestima lá em cima. Saem entendendo que aquilo que carregam na cabeça não é só cabelo: é identidade”.

A trancista também destacou que o reconhecimento sobre o valor cultural das tranças tem crescido. “Hoje não é só mulher negra que usa trança. Muitas mulheres brancas vêm também, e vêm com respeito, querendo entender a cultura, querendo valorizar essa origem. Isso pra mim é muito significativo”.
Para Tatiane, cabelo é identidade e, para a filha de 11 anos, tornou-se espelho e herança. “Ela tem um black lindo, cacheado. Sempre digo: ‘filha, solta esse cabelo, ele é bonito demais’. É assim que ela aprende a se reconhecer, a se assumir, a entender que o cabelo dela tem história, tem valor. É desse jeito que a gente ensina autoestima dentro de casa”, afirma.
Uma conquista histórica
Tatiane também celebra um marco importante para a categoria. “Hoje virou lei. As profissionais trancistas são reconhecidas. Isso tem um valor enorme pra gente, porque muita gente vive disso, sustenta suas famílias com esse trabalho que também é arte”, destaca.
Para ela, cada atendimento transcende o salão:
“Quando uma mulher senta na minha cadeira, eu não entrego só um penteado. Eu entrego força. Eu entrego identidade”.
E assim, há três décadas, Tatiane Penha transforma cabelo em cultura e cultura em autoestima, preservando uma tradição que atravessa gerações e segue inspirando novas mulheres a se verem, finalmente, como parte viva dessa história.









