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Entrevistas

11/12/2015 14:29

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Campo Grande se expandiu em área de risco, explica arquiteto

Durante essa semana, a prefeitura de Campo Grande decretou situação de emergência em relação aos problemas causados pela chuva, que vão desde alagamentos e outras crises urbanas até o surto de dengue em alguns bairros periféricos da capital. Mas o que leva a cidade a ter tantos problemas com o volume pluvial? Para o arquiteto e urbanista Ângelo Arruda, falta planejamento e fiscalização da sociedade civil.

Ele ainda explica que a iniciativa privada de grandes negócios imobiliários é responsável pela expansão da cidade em locais de risco, expansão essa que, de acordo com ele, não está sendo barrada pela administração municipal.

Confira a entrevista:


TopMídiaNews: Como é a estrutura de Campo Grande em relação ao volume de chuvas?


Ângelo: Existe um documento técnico que já existe há 25 anos, a carta geotécnica. É igual a um semáforo: o que é verde é ok de construir, o que é amarelo, tome cuidado, e o que é vermelho é uma região problemática. Então você veja que a área central, onde está o mini anel da cidade, indo aqui para o Monte Castelo, aqui no São Bento... pegando a parte sul da cidade com o Aerorancho etc, tudo está verde. Quando a gente pega o lado “direito” de Campo Grande, a região que a gente chama da bacia do Prosa, onde está Jardim Noroeste, Parque dos Poderes, região toda do Estrela Dalva, Nova Lima é uma região que o sinal está amarelo, essa região tem restrições a determinadas construções e tem que tomar cuidado com o que vai fazer. Está escrito aqui ó, problemas existentes ou esperados: ocorrências de ravinas ou bossorocas, que são cavidades que se formam no solo quando você tem uma chuva intensa e ela encontra um caminho pra escoar até o ponto mais baixo (...) Erosão laminar, colapso do solo por saturação devido a vazamentos por rede de água ou rede de esgoto, ou seja, uma região que a gente conhece como área de areia. E tem recomendações sobre o que tem que ser feito nessa área, que está nas mãos da administração, dos projetistas, engenheiros, de todo mundo.


TopMídiaNews: A cidade está sendo “projetada” se é que podemos usar essa palavra, de forma a estar preparada para receber essa chuva, ou está se expandindo se forma irresponsável?


Ângelo: Eu acho que pelos meus cálculos a gente já tem 10 anos em que teve o primeiro sinal de alerta. Vamos lembrar uma chuva que caiu o pontilhão da Rua Ceará em frente ao condomínio Cachoeirinha, e ficamos sem a Ceará por quase dois anos. Pouquinho antes disso, já havia ocorrido outra chuva que já tinha “alertado o pisca alerta” e ao invés da municipalidade puxar o freio de mão, convocar os setores para trabalhar, muito pelo contrário, onde a cidade mais se urbanizou nos últimos dez anos é exatamente na área de risco. Se eu te mostrar a foto aérea de Campo Grande em 2004 e a foto aérea em 2014, você vai ver que toda essa região em volta do Prosa é a região da cidade que mais se urbanizou. Condomínio fechados, empreendimentos residenciais, prédios públicos... todo o Carandá está super urbanizado, shopping Bosque dos Ypês, tudo isso é contribuinte. A gente está em um momento em que não podemos mais gastar R$ 200 milhões sem saber se esse dinheiro vai resolver. Exatamente aqui na margem do córrego Sóter que vem do córrego superior, várias barragens caíram. Tem um dinheiro público que está sendo transferido pros agentes públicos, aí o empreiteiro baixa a qualidade, o outro fecha os olhos, arruma o alvará certinho e vem a chuva e pimba.



    Circulada em vermelhor, parte da área de risco mencionada por Ângelo Arruda (imagem: reprodução Semadur)



TopMídiaNews: Li um artigo que dizia que teríamos que ter uma lei de responsabilidade urbana, assim como temos uma de responsabilidade fiscal. Com que responsabilidade Campo Grande lida com o plano diretor da cidade?


Ângelo: O Plano diretor não conversa com essa planta técnica que te mostrei, por exemplo, já e a primeira coisa. Estou colocando essa discussão agora, estamos na universidade fazendo os vazios urbanos para revisar o plano diretor. Veja, na área que eu estou falando que é o maior problema da cidade, é onde se concentra a maior quantidade de vazios, então se eu não ataco isso hoje, se eu não crio uma política... “ah, mas vai ser proibido construir aqui”? Não, a gente aumenta a taxa de permeabilidade do solo, ou seja, ao invés de autorizar que todo mundo tenha direito de construir 50% do terreno, autoriza só 20%, fica 80% do terreno para absorver o solo. Ou seja, temos que criar uma política, agora, porque se com essa quantidade toda de áreas vazias acontece isso... Outro detalhe: o córrego Prosa não tem caixa nem vazão suficiente pra dar conta de receber essa chuvarada toda e esta lei de responsabilidade urbana que está sendo discutida em vários fóruns, nos quais já estou inserido, é totalmente viável e necessária.


TopMídiaNews: Quem está expandindo a cidade dessa forma?


Ângelo: Fundamentalmente o setor público, porque os programas públicos de financiamento da habitação estão sendo feitos sem observar... porque o equipamento público tem que ser aprovado pela prefeitura, então, cumpre a legislação, ou seja, o empreiteiro do Minha Casa, Minha Vida vem dizer “mas, não, eu aprovei tudo na caixa”, ele está certo, só que os três juntos não estão olhando pra esse mapa, estão exclusivamente pensando na construção, ao molde antigo. A gente escapuliu de uma regrinha de fazer 3 mil casas em uma pancada só dos anos 80 e ficamos com 500 unidades no ano de 2004. Recentemente com o Minha Casa, Minha Vida, essa lei foi destruída. Agora, se eu tiver cacife e tiver projeto posso fazer um conjunto habitacional.


TopMídiaNews: E os grandes empreendimentos privados?


Ângelo: Eles estão localizados... e eu discuti isso no ano passado, que a localização desses prédios obedece a lógica do mercado, vários prédios estão no amarelo (sinal de alerta para áreas de risco), é culpa do poder público que não regulamenta. Agora o Planurb (Instituto Municipal De Planejamento Urbano) ficou, em 15 anos, maior do que estava quando eu presidi, com ferramentas mais importantes, tudo informatizado, imagem de satélite, etc, mas não tem gente, equipe, por que? Porque quem passou a mão na cidade foram os empresários, os políticos etc. Ao invés dos técnicos darem a última opinião, o cara diz: “ah é? Legal, ta bom”, coloca a pastinha debaixo do braço, vai no prefeito, o prefeito assina...


TopMídiaNews: Você pode pontuar obras erradas que foram feitas na cidade sem observar todas essas questões?


Ângelo: Está vendo esse triângulo aqui? Isso aqui é Bosque Shopping dos Ipês e Alphaville 1, 2, 3 e 4. Essa área era uma área desprezível para o mercado imobiliário, porque ela recebia um caminhão de água por segundo do Nova Lima porque tinha uma erosão aqui na travessia da Coronel Antonino. O poder público foi lá e fez a obra em uma parceria, resolveu o problema da erosão e a área que não tinha valor nenhum passou a valorizar. A gente tem uma indução de perspectiva de uso ocupação ao redor. Quando você vai ao Dhama, você tem que entrar pelo Tiradentes, Tiradentes era um bairro desprezado pela administração pública há 15 anos atrás, hoje o Tiradentes está arrumadinho, tem restaurante etc porque tem 5 mil carros que passam ali todos os dias, entendeu? Então, o setor empresarial de grande porte que faz grandes investimentos anda citando as regras nas cidades do planeta inteiro.


TopMídiaNews: Você diria, então, que quem expande Campo Grande é o negócio?


Ângelo: É o negócio e não deveria sê-lo. Deveria ser o plano pela gestão pública com a sociedade e devíamos fazer isso pra que quando tivermos 1 milhão e meio de habitantes daqui a 40 anos, não sofrermos as consequências da urbanização desenfreada. Então o grande negócio que vem de fora, que não é gerido aqui dentro, o cara chega com um caminhão de ideias, com um banco atrás, põe na mesa do prefeito, todo mundo bate palma e quando a gente acorda 10 anos depois...


TopMídiaNews: E como fica o Direito à Cidade em meio a tudo isso?


Ângelo: O direto à cidade tem algumas garantias constitucionais, estatuto da cidade, mas isso tudo não se reflete na discussão de Campo Grande, ou seja, ainda tem um poder público que controla esse setor mais periférico com o que eu chamo de alguns biscoitinhos, entendeu? Líder de bairro tem passe livre pra andar de ônibus e tal, joga lá uma redezinha de água e acabou. Então o sistema público para o direito à cidade continua ruim, o transporte coletivo continua ruim, mobilidade urbana continua ruim, o acabamento da infraestrutura continua precária e são áreas com uma grande quantidade de pessoas morando há muito tempo e que algumas se consolidaram com base na própria estratégia de sobrevivência, o melhor exemplo pra mim é o Moreninhas (...) Então, eu diria que o direito à cidade o estatuto da cidade é colocado na constituição mas você tem que lutar por ele. E é aí que eu acho que nos últimos 10 anos, nos dois mandatos do prefeito Nelsinho e o último do André Puccinelli, esse assunto: participação, envolvimento da sociedade com as coisas andou sendo puxado o freio, ou seja, tem conselho que não acaba mais, mas são controlados pra bater o carimbo. É visível como essas administrações foram cerceando o poder dos conselhos ficar embaixo da sua asa, aí o direto da cidade não existe.


TopMídiaNews: Pra finalizar: como você definiria essas obras que foram e são realizadas justamente pra conter os problemas das construções feitas de forma errada?


Ângelo: Eu acho que está faltando comitê técnico pra fazer a vistoria. Na fase de projeto, na fase de execução e na fase de funcionamento. O setor público, sozinho, não está dando conta de fazer isso. Então, está faltando um comitê da sociedade, e eu digo da sociedade porque tem Crea (Conselho regional engenharia arquitetura e agronomia), Cau (Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Mato Grosso do Sul), Instituto de Arquitetos, sindicato dos engenheiros, sociedade civil, está tudo pronto, é só estalar o dedo e organizar. Vai começar o projeto de uma barragem, opa, põe aqui pra fiscalizar, quem vai ser contratado? Cadê a licitação? Então você vai exigindo tudo e certamente lá na ponta, a coisa pode ficar melhor.

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