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26/08/2018 15:41

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Zé Dirceu, o ‘Ronnie Von das Massas’ ou ‘Alan Delon dos Pobres’

Ex-ministro da era Lula expõe lado Don Juan em autobiografia

O ex-ministro José Dirceu, de 72 anos, escreveu na cadeia o que diz ser o primeiro tomo de Zé Dirceu – Memórias (Geração Editorial). Rascunhou o texto à mão, em letra miúda, com o papel e a caneta esferográfica que tinha à disposição em quase dois anos que esteve preso em Pinhais, no Paraná. O original passava de 400 páginas. 

Dirceu já foi preso quatro vezes. A primeira, na ditadura militar, com cerca de 1.000 estudantes que participavam do Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Ibiúna. As outras três, na democracia. Ele foi condenado por corrupção no mensalão e na Lava Jato. O juiz Sergio Moro assinou as últimas duas sentenças. Nelas, as penas somam 32 anos de prisão.
O petista chegou a dizer a amigos que temia passar o resto de seus dias numa cela. Foi salvo em maio, quando a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal mandou soltá-lo. A decisão foi confirmada na última terça-feira.

Nas memórias redigidas no cárcere, o ex-ministro preferiu pular a fase mais recente e polêmica de sua biografia. Interrompeu as lembranças em 2006, quando ainda não havia sido julgado pela compra de apoio político ao governo Lula. O resultado é um relato engajado, com muitos ataques a adversários e a quem chama de perseguidores — entre eles, a imprensa.

Entre histórias da infância, da clandestinidade e da chegada do PT ao poder, Dirceu dedicou bom espaço às próprias conquistas amorosas. Os relatos fazem jus aos apelidos de “Ronnie Von das Massas” e “Alain Delon dos Pobres”, que o acompanharam no movimento estudantil.

No livro, o memorialista emerge como um maoísta entre lençóis. “As mulheres conseguem sustentar metade do céu”, dizia o líder comunista chinês Mao Tsé-Tung. ÉPOCA pinçou os trechos mais apimentados de Zé Dirceu — Memórias e os reproduz a seguir.


TRANSAS FANTÁSTICAS

A Baixada do Glicério, onde ficava o Parque Shangai de diversões e a Igreja Nossa Senhora da Paz, era um ponto de encontro e namoros para nós. Lá também vivia um conterrâneo de Passa Quatro, o José André Motta. Foi nessa época que tive um longo relacionamento com uma mulher mais velha que eu, mulata, paixão dos domingos com almoço e transas fantásticas. Guardei na minha memória a lembrança da primeira mulher que fumava maconha, como se fosse normal. Na verdade, a Baixada já era a boca quente dos anos 1970.

MAÇÃ DOURADA

Havia um pouco de tudo, festivais de rock, muita música e alegria, além de debates, disputas políticas e amores como era próprio de nossa geração. Muito se falou de meus namoros na sala de aula de grego — um pouco de lenda. A realidade é que estávamos vivendo o auge do “amor livre”, da pílula anticoncepcional, da vida independente e longe da casa dos pais, uma época em que todos namoravam e muito. Fiquei com a fama, nem sempre verdadeira. Uma das histórias que contam dessa época, com várias versões, cada qual de um jeito, é que fui seduzido e espionado por uma jovem a serviço do Deops que tinha o codinome de Maçã Dourada. A história é verdadeira, mas bastante simples.

Começou assim: quase todos os dias dávamos entrevistas à imprensa. Há, inclusive, uma foto famosa, da lousa negra onde se vê escrito “Imprensa burguesa, fique sentadinha”, algo assim. Sempre fizemos tudo abertamente. Numa dessas entrevistas, notei uma linda jovem de cabelos longos, com umas costas maravilhosas, pernas longas, um pedaço de perdição, sentada numa das cadeiras, lendo e pouco ouvindo a entrevista. Naquele momento fiquei intrigado, mas depois acabei me esquecendo.

Mas, de novo, lá estava ela. Aí me interessei, abordei e comecei a “ficar” com ela numa das escapadas para a sala de grego. O seu nome era Heloisa Helena Magalhães. Chegamos à sala, que na verdade era um quarto, para eu descansar e dormir em segurança. Fomos nos despindo, eu de olho nas suas lindas costas, um fetiche, e não prestei atenção, num primeiro momento, na forma como ela pegou meu revólver 22, abriu o tambor e olhou as balas. Mas, logo em seguida, meu instinto me alertou que havia algo de errado ali. Como uma menina de 19, 20 anos maneja uma arma com essa intimidade? Não deu outra, chamei a segurança, e Heloísa, depois de negar e negar, confessou.

A CHINESA

Meu trabalho com Vicente terminou no dia em que, mais uma vez, atrasei-me para o trabalho, causando sérios prejuízos para a rotina dele; eu andava encantado com uma nova namorada chinesa, a Lee. O sonho de trabalhar com ele acabou ficando para trás, deixando-me sem trabalho e sem a namorada que, anos depois, reencontrei no Crusp, o Conjunto Residencial de Estudantes da USP, com um jovem estudante, certamente seu novo amor.

SEXO NO CINEMA

Fiz também algo surreal, um curso de projetista de filmes num cinema, o Cine Yara, na Calle 23 com a 27. Toda noite eu trabalhava algumas horas treinando, até que um dia fui chamado e, com cuidado, me pediram que parasse de namorar dentro da cabine durante a exibição dos filmes. Era meu aviso prévio.


A TCHECA

Durante um outro período, trabalhei no Instituto de Cinema organizando a biblioteca da presidência e auxiliando na versão dos filmes brasileiros para o espanhol, na verdade, para o cubano, com todas as suas idiossincrasias e modo de falar próprio. Era uma função que me agradava e dava oportunidade de rever o nosso Cinema Novo. Também, como era filho de gráficos, trabalhei numa gráfica e empresa de revistas em quadrinhos, onde conheci uma tcheca, técnica em HQ, simplesmente encantadora, mas que não cedeu aos meus encantos, um tanto juvenis para ela.

A MULATA, A JUDIA E A BASCA

Esse período foi de poucos amores e namoradas, por medida de segurança. Tragicamente mal recordo o nome, apesar da lembrança fotográfica de cada uma: da mulata santiagueira que conheci na Biblioteca Municipal Abel Santamaria Cuadrado — dirigente do Diretório Revolucionário, herói e comandante do assalto ao palácio presidencial em 1957 —, da cidade de Santiago de Cuba, na província Oriental de Cuba, a Bahia cubana, terra do rum, da santería, cidade rebelde, berço da revolução e onde se situa a famosa Sierra Maestra. Depois, a mulata mudou-se para Havana para ficar mais perto de mim, para desespero dos meus assistentes do Departamento América do PCC. Zarattini e eu éramos assíduos frequentadores da Biblioteca de Santiago, local ideal para ler, pesquisar e paquerar.
Outro namoro foi com uma judia que perdi no tempo, mas não no esquecimento, névoas do passado. Morava nos fundos da sinagoga de Havana entre 13 e 15, Calle l, se não me engano. Passamos momentos maravilhosos no aconchego do seu minúsculo apartamento, atrás da sinagoga. Namoros e romances-relâmpagos, como com a basca, do ETA, que conheci no hotel de trânsito do Icaic, quando me restabelecia da depressão e do acidente (que contarei mais adiante), e que logo voltou para seu país, Euskal Herria — o nome do País Basco.

ANA

Minha parceria com Ana foi decisiva para nossa volta e para criar relações no exterior. Ana domina o espanhol e o francês, além de se virar com outras línguas como o inglês e o italiano. Ela fez de tudo para eu retomar a fala e a leitura que aprendera com os padres franceses em Passa Quatro, uma perda de tempo devido a minha indisciplina para o estudo de línguas, que se repetiria em 2006-7. Éramos parceiros no estudo e nas pesquisas, na produção de avaliações sobre o Brasil e sua economia e política. Ana é de uma disciplina e vontade política únicas. Com o tempo e a convivência diária, além da atração mútua, acabamos mantendo uma relação afetiva com altos e baixos, natural naqueles tempos em que a vida e a luta uniam e separavam pessoas, assim de repente. Nessa fase, meus namoros eram raros pela necessidade de compartimentação e semiclandestinidade, já que nossas identidades não eram as reais. Tive alguns casos no prédio em que morávamos, no Vedado, depois que fui liberado, e nada mais.

DONA DO HOTEL

Depois de algumas peripécias, como o namoro com a filha do dono do hotel em Placas e a amizade com o dono de uma boate, foi ele que se apaixonou por mim, mas não foi correspondido. Fui ao encontro de um senhor na rodoviária do Crato, a caminho de Salgueiro. Vestido como sertanejo, terno de linho, camisa branca sem colarinho, sandálias boas e bonitas, ele me pareceu triste e ensimesmado. Buscando puxar conversa e ter uma companhia na viagem — medida básica de segurança —, descobri que ele tinha sido roubado e, envergonhado, não pedira socorro a ninguém.

IARA E SUZANA

Meu namoro com Iara foi uma volta à adolescência perdida, ela era uma menina, mas já adulta pela luta e politizada pelo exemplo dos pais, Zilda e João Batista. Apaixonada pelos irmãos, dura na discussão política, às vezes sectária, tivemos um breve namoro, uma luz na solidão e no banzo que me atacava de tempos em tempos. Nosso relacionamento era de passeios, idas ao cinema, a parques de diversão e “pousadas” que, na verdade, eram pequenos motéis, já que não morávamos juntos. Nosso namoro não era bem-visto e aceito pela mãe e irmãos, creio que mais pelas questões políticas do que pelo namoro propriamente dito ou por mim mesmo. Acabou de repente, Iara se afastou, sofri muito, mas nada como a luta, o treinamento e outros amores para curar as dores da paixão.

Também no CBA e no escritório de Airton Soares conheci Suzana Lisboa, gaúcha, judia, viúva de Luiz Eurico Lisboa, outro assassinado pela ditadura. Suzana lutava para esclarecer o assassinato de seu companheiro.

Acabou localizando os restos mortais de Luiz Eurico e foi uma parceira constante dos pais de Sônia de Moraes Angel, em busca do paradeiro da filha e de seu companheiro, Stuart Angel, filho da estilista Zuzu Angel, também assassinada pela ditadura em um acidente forjado de carro no Rio, em 1976. Artista da moda brasileira, Zuzu granjeara fama internacional. Desfilava suas criações em Nova York, onde sua clientela incluía personalidades do show business como Liza Minelli e Joan Crawford.

Impetuosa, denunciou a crueldade do regime militar ao secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger e ao senador democrata Edward Kennedy. Representava uma ameaça à tirania e, por isso, foi perseguida e morta. Suzana foi minha primeira namorada em São Paulo. Não chegamos a morar juntos e nos tornamos grandes amigos. Sua dedicação à luta pela anistia e à busca dos mortos e desaparecidos me impactou para além de sua beleza e coragem.

ÂNGELA

Foi minha primeira saída com Ângela, empurrando uma Brasília ladeira abaixo e correndo o risco de ser preso. Só seria pior na noite em que a convidei para jantar. Preparei uma macarronada à carbonara, cheia de bacon, e, surpreso, descobri que Ângela era vegetariana. Ela morava sozinha numa casinha branca e azul, na Rua Harmonia, Vila Madalena, em São Paulo, um bairro ainda bucólico, sem prédios, uma pequena comunidade libertária, de esquerda, musical e alegre, na esquina de uma pizzaria da outra sócia da escola, Gisela.

Mudei-me para lá após meses de namoro. Ângela era filha de uma militante política sindical, Irene Terras Saragoça, perseguida pela ditadura. Seu pai, Manuel, português de Aveiro, vivia no litoral sul de São Paulo, e a mãe, em Santos. Seu irmão, também Manuel, era médico nefrologista no Hospital São Paulo. Começava uma nova relação, uma nova família.

PEDRO CAROÇO

A aproximação de Clara mudou tudo e deu um sentido a minha vida no Paraná. Era uma loira alta dirigindo seu carro, sempre ativa, conversando, entrando e saindo dos bancos, farmácias, lojas, e dona de pequenas boutiques, uma em Cruzeiro, na rua atrás da minha alfaiataria. Toda vez que a via descer do carro, com seu sorriso, os olhos claros, botas de cano longo e saia rodada, me prendia a atenção. Nós nos fitávamos, estudávamos, mas não ousávamos trocar uma palavra.

Até que, no cair de uma tarde, quando seguia para jantar na pensão, perdi minha lente de contato. Anoitecia e não conseguia encontrá-la no asfalto escuro. Eis que surge um carro com farol aceso. Dele alguém desce e, pelas botas e pernas, vi que era Clara. “O que procuras?”, perguntou.

Minha vida se ligaria à de Clara, não somente uma vida afetiva e familiar — de que sentia falta —, mas também profissional. Logo a cidade percebeu que o “estrangeiro” roubara de seus filhos uma de suas flores, no caso uma mulher independente, bem-sucedida, bonita e dona de quatro pequenas boutiques.

Desconfiança e inveja foram as primeiras reações. Algo como “esse aventureiro vai roubar nossa jovem empresária e depois a abandonará ou, pior, dará um golpe e desaparecerá. Ou vai se casar com ela”. Logo me colocaram o apelido de “Pedro Caroço”, alusão à letra da música cantada por Genival Lacerda, “Severina Xique Xique” — que traz este verso: “Ele tá de olho é na boutique dela!”. Isso me aborrecia, mas, ao mesmo tempo, me tornava uma pessoa da cidade, “um dos nossos”, desaparecendo o distanciamento com o “intruso e concorrente”.

 

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