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26/05/2023 06:30

Top Literário: Mary Shelley, lendária, bizarra e dona do meu coração

Autora de 'Frankenstein ou O Prometeu Moderno' é tão ou mais fascinante que seu trabalho literário

Sabe quando a realidade supera a ficção? Mary Shelley, escritora britânica do século XIX, é assim pra mim. Quando li 'Frankenstein', quase morri de tédio, me arrastando pelas páginas como um bicho preguiça atravessando na faixa de pedestre. Segui as regras, mas não sem sofrimento e muito esforço. Já sua biografia...

Sempre lembrada por seu romance gótico de 1818, que se tornou uma das obras mais influentes da literatura ocidental, Mary Shelley foi tão ou mais fascinante que seu trabalho literário. A começar por sua mãe, Mary Wollstonecraft, uma filósofa e defensora dos direitos das mulheres à educação. Se a Netflix - na verdade prefiro a HBO, mas - quiser fazer uma obra ao estilo 'As Leis de Lidia Poët', estou aqui para assistir.

Trailer de 'As Leis de Lidia Poët', série farofinha pastelão com inspiração biográfica

Seu pai, William Godwin, foi um filósofo político e escritor, que, confesso, não fiquei muito interessada em saber a história, mas admiro por garantir a educação das filhas. Mary perdeu a mãe logo após nascer e foi criada meio pela madrasta, meio pelos livros, com oportunidades de explorar o mundo e liberar sua criatividade, mas incompreendida. Tinha grande laço afetivo com a irmã adotiva, Claire Clairmont.

Aos 17 anos, Mary conheceu o poeta Percy Shelley, seu futuro marido - e boy lixo na minha visão do século XXI. Na versão bonitinha, o casal embarcou em uma vida de "aventura e literatura", viajando pela Europa e se envolvendo com outros intelectuais da época, como Lord Byrone - outro autor excepcional, pessoa nem tanto assim - e John Polidori.

Mas a parte 'quente' da história é que Percy era casado quando fugiu com Mary, levando Claire a tira-colo. Eram promessas de amor, liberdade e proteção, mas lendo por aí, através de diversas fontes, eu diria que Shelley era o poeta a favor do amor livre, que esquecia de dizer o contrato antes de iniciar o relacionamento. Infame e, no que posso apenas supor, apaixonada, Mary aceitou as condições, não sinto que as defendeu. 

Prodígio literário, minha autora do coração escreveu tão bem sobre a tragédia, pois sempre a vivenciou. Além do fantasma da mãe, ela perdeu a primeira filha ainda bebê e teve que conviver com as amantes e bebedeiras de Percy. Claire, sua irmã, também se encantou com um poeta, Lord Byron, que conseguia superar Percy no critério homem problema.

Em 1816, o casal e a irmã estavam hospedados na casa de Byron, em Genebra, na Suíça, juntamente com o médico John Polidori, durante uma tempestade interminável. Entre o luto pela filha, a ausência do pai, o amor volátil do companheiro e o confinamento naquele estranho recinto, Mary conheceu o galvanismo, um estudo sobre como a eletricidade impulsionava os músculos animais.

Certa noite, que só pode ser imaginada, os amigos fizeram uma aposta sobre quem criaria a melhor história de fantasmas. A partir desse empurrão, Mary concebeu um conto sobre Victor Frankenstein, um médico/cientista que cria uma imitação humana monstruosa, unindo partes dos corpos de várias pessoas, mediante processos descritos no galvanismo.

O romance é de ficção científica, mas seu sucesso está nas entrelinhas. A autora, idosa em um corpo jovem, explora temas como a busca do conhecimento, a ética na ciência, a solidão, a necessidade humana de conexão, a responsabilidade moral, as consequências de nossos atos e, acima de tudo, sobre a rejeição. Só consigo lembrar das palavras de Carlos Drummond de Andrade:

Quando nasci, um anjo torto. Desses que vivem na sombra. Disse: Vai, Carlos, ser gauche na vida. (Poema de Sete Faces).

'Frankenstein' foi inicialmente publicado anonimamente, pois ninguém estava interessado em uma obra tão obscura escrita por uma mulher. Shelley escreveu o prefácio e levou a fama por um bom tempo, até que William Godwin tomou conhecimento da obra da filha e fez por ela, o que sempre mereceu: garantiu que fosse reconhecida.

Inserida no romantismo gótico, a história de Frankenstein virou um ícone da cultura popular, inspirando inúmeras adaptações para o cinema, teatro e outras formas de mídia. Ironicamente, assim como Mary, a criatura nunca teve nome e as pessoas começaram a relacionar o nome do criador à criação. As angústias eram do ser forjado, mas, mais uma vez, o cientista é o reconhecido.

Encontrei esse filme inspirado na vida da autora:

Filme de 2018, dirigido por Haifaa Al-Mansour

Em mais uma ironia, o filme acaba com a reconciliação do casal Percy. O final feliz que ela nunca teve e que também não permitiu em seu livro. A escritora teve quatro filhos, mas apenas um sobreviveu até à vida adulta. O relacionamento só foi oficializado porque a primeira esposa de Shelley foi encontrada morta em um rio - possível suicídio - e o "grande pai amoroso" queria tentar a guarda da filha do primeiro casamento.  

Mary continuou produzindo bastante, inclusive, há suspeitas de que o marido dela assinou várias de suas obras. Já Claire teve uma filha de Lord Byron e também teve que segurar o BO sozinha, com apenas uma espécie de pensão alimentícia. E, da famosa reunião criativa, Byron roubou o manuscrito de John Polidori e publicou como seu. Podiam montar o clube dos injustiçados.

Como é mais fácil enfrentar o machismo da porta para fora do que em casa, a biografia de Mary aponta apenas Percy como seu grande amor e dono de sua devoção. Quando faleceu, em 1851, aos 53 anos, deixou uma herança bizarra: uma caixa com mechas de cabelos dos filhos mortos, um caderno e um pedaço de seda contendo parte das cinzas e restos de um órgão - supostamente o coração - do marido, que morreu afogado em 1822.

Fui lendo sobre a autora em diversos locais, montando essa biografia improvisada, porém original, então ficarei devendo as referências bibliográficas. Frankenstein, o livro, não me deve nada. Não leria novamente. Mas a autora, ah, essa me impressiona. Toda sua batalha, suas contradições e hipocrisias, disruptora e também presa no mesmo sistema. Criador(a) e criatura. Forte e frágil.

Quem me dera ser assim brilhante, mas assim como muitas outras mulheres, sinto suas dores e alegrias, Mary. Às vezes sinto que pertenço, para logo depois me ver à margem. Única e igual. Parafraseando Drummond, vim ser gauche na vida, sem precisar do conhaque para me aventurar em reflexões.

Elle Fanning no papel de Mary Shelley. Um reprodução da pessoa que só podemos imaginar. 

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