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Hospital Adventista é acusado de discriminação religiosa e assédio moral

As duas instituições firmaram acordo judicial com o Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul

16 junho 2021 - 13h48Por Dany Nascimento

A Instituição Adventista Central Brasileira de Educação e Assistência Social e a Instituição Adventista Centro-oeste de Promoção à Saúde, ambas mantenedoras do Hospital Adventista do Pênfigo de Campo Grande, deverão tomar medidas preventivas contra a discriminação religiosa e assédio moral no seu ambiente de trabalho.

A conciliação foi homologada pela Justiça do Trabalho durante audiência de instrução no âmbito de ação civil pública movida pelo MPT-MS em face das mantenedoras do hospital, depois que inquérito civil constatou indícios de práticas discriminatórias de natureza religiosa e, em um dos casos, de cunho racial e sexual com uma das trabalhadoras, condutas caracterizadoras de assédio moral organizacional.

O acordo foi homologado pelo juiz do Trabalho Renato Luiz Miyasato de Faria. As rés concordam com os pedidos feitos na inicial, embora não reconheçam as práticas imputadas pelo MPT-MS. 

O Hospital Adventista do Pênfigo de Campo Grande - Unidade Centro terá de implementar ações internas de conscientização de gestores e trabalhadores (leia na íntegra abaixo) para prevenir a prática de atos discriminatórios, conforme pleiteado pelo procurador do Trabalho Hiran Sebastião Meneghelli Filho na ação civil pública.

A condenação ao pagamento de R$ 500 mil pelas instituições, a título de reparação por danos morais coletivos – outro pedido da inicial – está suspenso por 60 dias, ainda conforme estabelecido no acordo judicial, prazo em que será realizada nova tentativa de conciliação diretamente entre as partes. Caso não cheguem a um consenso neste prazo, o pedido irá a julgamento.

Assédio moral organizacional

Depoimentos coletados durante audiências com empregados e ex-empregados no âmbito de inquérito civil instaurado pelo MPT-MS levaram à constatação de inúmeras ilicitudes, entre elas: o hospital não somente indagava, mas também submetia candidatos ao preenchimento de uma ficha na qual era questionada a religião professada; eram admitidos – e mantidos no cargo – preferencialmente profissionais da religião adventista; promoções, concessão de benefícios e melhor remuneração eram destinadas somente aos adventistas, ou àqueles que se convertiam à religião após admissão no emprego.

A investigação do MPT-MS apurou, ainda, que empregados que não se declaravam da religião adventista era tratados com mais rigor com relação à produtividade e desempenho; que o hospital demite os trabalhadores que não professam a religião ou a ela não se convertem, admitindo adventistas no lugar; permite que pastor adventista divulgue aos empregados vídeo com sátira sobre outras religiões; obriga seus empregados a paralisar suas funções para participar de cultos e orações em três momentos do dia e, ainda, permite que seus prepostos pratiquem atos discriminatórios ou ofensivos em razão da opção sexual e da raça do empregado.

Estas condutas teriam se agravado em razão da troca dos dirigentes do hospital, em meados de novembro de 2018. Segundo lista fornecida pela instituição investigada no âmbito do inquérito, 89 trabalhadores foram demitidos no segundo semestre de 2019.

”Em um ambiente de trabalho tão ostensivamente adepto de determinada religião, é de se imaginar que muitos trabalhadores deixem de lado suas convicções religiosas, eventualmente até se convertendo para a religião predominante naquele local, na tentativa de resguardar o próprio emprego, fonte de seu sustento e de sua família, ou mesmo de ser promovido, obter reconhecimento e melhor remuneração”, subscreveu Hiran Meneghelli Filho quando pleiteou a condenação do hospital.

“E muitos daqueles que assim não agirem, certamente podem sofrer enormes prejuízos, como a falta de incentivos e de reconhecimento, a estagnação na carreira ou mesmo a demissão”, acrescentou, nos autos, o procurador.

Meneghelli propôs às instituições mantenedoras do hospital, inicialmente, uma solução extrajudicial, por meio da assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC). As investigadas, à época, alegaram a inexistência dos fatos apurados pelo MPT-MS e recusaram-se a firmar o acordo extrajudicial, sob a justificativa de que "a formalização deste importante instrumento acarretaria, invariavelmente, no reconhecimento da veracidade das acusações (...), tendo plena convicção de que está dentro dos parâmetros legais”.

Obrigações de fazer e não fazer

Diante desta negativa, o MPT-MS ingressou com a ação no âmbito judicial, pedindo a condenação das instituições mantenedoras do hospital. Embora não reconheça as práticas a elas imputadas, as rés concordaram em firmar o acordo na Justiça com o MPT-MS, e deverão passar a observar as seguintes obrigações de fazer e não fazer, arroladas na ação:

1. Não permitir, tolerar, ignorar ou deixar de agir frente a situações que possam caracterizar assédio moral;

2. Implementar práticas para prevenção e combate do assédio moral, entre as quais deverá constar, obrigatoriamente, a criação e ampla divulgação de um canal direto de denúncias para os trabalhadores;

3. Não obrigar seus empregados a participarem de reuniões, cultos, orações ou qualquer evento de cunho religioso, sem que essa seja a vontade do empregado, nem permitir veiculação de vídeos satíricos sobre qualquer religião;

4. Não recrutar, contratar ou demitir, promover ou impedir a promoção (para cargos de chefia ou afins), remunerar de forma diferenciada, deixar de conceder ou conceder benefícios sociais ou melhor formação profissional;

5. Realizar anualmente, pelo prazo de três anos consecutivos, treinamento específico sobre assédio moral no meio ambiente de trabalho, com participação de todos os ocupantes de cargos/funções que detenham poder hierárquico, cujo conteúdo deverá abordar os seguintes assuntos, sem necessariamente se restringir apenas a eles: principais causas, formas, consequências e meios de combater a prática do assédio moral no meio ambiente de trabalho;

6. Realizar uma palestra, em até um ano da prolação da sentença, que aborde e esclareça sobre o tema assédio moral no meio ambiente de trabalho, com a participação de todos os trabalhadores (superiores e subordinados).

A ação pleiteia, ainda, o pagamento de R$ 500 mil, a título de danos morais coletivos e reparação, tendo em vista a gravidade das violações praticadas pelas rés. Foi pedido que o valor, bem como as multas eventualmente executadas após a condenação, seja revertido em benefício de órgãos públicos ou instituições privadas sem fins lucrativos, que desenvolvam atividades de interesse público ou, ainda, a fundos legais voltados à seara laboral.

Também foi requerida a apresentação de contracheques, fichas de registro e termos de rescisão de contratos de trabalho desde abril de 2018, além de relação atualizada de todos os empregados da empresa, com funções (especificando as funções de chefia) e salários ajustados.

Assédio moral

Somente nos últimos cinco anos (2015 a 2020), o MPT-MS recebeu 461 denúncias de assédios moral e sexual. Delas, resultaram 26 termos de ajustamento de conduta e 19 ações ajuizadas em face dos acusados. Ainda persiste, porém, o obstáculo da subnotificação das ocorrências, o que restringe as possibilidades de atuação da instituição.