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Cidades

16/10/2017 07:00

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Mulher denuncia racismo em restaurante: 'com esse cabelo dá para enganar que é mendiga'

Jovem ouviu a frase quando foi comprar uma marmita; vendedor disse que 'não servia comida de graça'

“É tão triste, tão revoltante e tão doloroso. Chegando no restaurante aqui perto do trabalho para comprar minha marmita. Visto um jeans rasgado, uma camiseta e nos pés meu tênis predileto. Tranças soltas, nada de maquiagem, nada de acessórios. A marmita demora um pouco a sair (pela primeira vez), de repente vem o gerente e pede para eu me retirar que eles não dão comida de graça. Já tremendo sem acreditar no que está acontecendo eu explico que pedi a marmita e que vou pagar por ela. O gerente ri e me pede desculpa com a seguinte frase: MAS TAMBÉM, COM ESSE CABELO, DÁ PARA ENGANAR QUE É UMA MENDIGA. Até quando... eu me pergunto até quando”. 

O relato acima está na íntegra no perfil pessoal de Claudia Ramos. Negra, ela não aguentou passar por mais uma cena de racismo e resolveu desabafar. O fato foi real em um restaurante num posto de combustíveis e mostra, segundo ela, o quanto racismo ainda é frequente no Brasil. 

“Falam que no país não tem racismo, mas tem sim. E eu já senti na pele”, desabafa Claudia. Ela procurou a delegacia, mas sentiu-se ainda mais frustrada. “Ocorre que fui a delegacia e não consegui fazer boletim de ocorrência, pois o atendente da Depac (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário) Piratininga disse que, nesses casos, eu precisaria de provas como fotos ou testemunhas, ou não ia dar em nada”, afirmou. 

Mesmo assim, ela resolveu falar sobre o assunto. “Já passei por algo semelhante em uma farmácia que trabalhei, mas a chefia não permitiu que eu abrisse BO e, na ocasião, eu tive testemunhas, então precisamos falar sobre isso. Eu precisava do emprego e me calei”. 

Vida de preconceitos

E antes que alguém fale que é “mimimi” ou “brincadeira”, a reportagem conversou com Claudia, que contou que desde pequena enfrenta o peso de ser tratada de maneira diferente devido a cor de pele. 

“Olha, desde pequena sempre fui alvo de brincadeiras quanto a minha pele e cabelo. Na época de escola eu tinha que ouvir que isso era normal, coisas de criança. Mas fui crescendo e percebendo que eu não era "bonita", não pelos meus traços e sim pela minha cor. Já ouvi piadas com relação a minha boca, meu cabelo e até algumas como: mulher negra é quente, é boa de cama, essas coisas”. Conta sobre tudo que já ouviu. 

Aos 16, ela inclusive alisou o cabelo. “Tentei ser aceita e fingir que não me importava, mas há mais ou menos dois anos eu resolvi assumir meu cabelo e comecei a transição e, desde então, as coisas ficaram um pouco mais difíceis”, diz dando exemplo a situação que aconteceu no restaurante. 

“Você entrar nos lugares e percebe o olhar das pessoas, os comentários que até, muitas vezes, eles acham ser um elogio e que incomoda sabe. Eu achei que já estava preparada para uma situação dessas como a do posto. Achei que saberia me posicionar e me defender, mas a mente da gente paralisa. Você se sente tão acuado e humilhado que só quer fugir”, desabafou sobre a situação vivia. 

“Quero ser atendida por uma branca”

A frase pode parecer surreal, mas realmente aconteceu na farmácia onde Claudia trabalhava. “Eu era a única atendente negra, era uma farmácia de manipulação e chegou uma senhora, muito elegante, bem vestida e ficou parada ali. Como era quase 13h e estava só eu e a moça do caixa, pois as demais atendentes tinham ido almoçar cheguei até ela, muito simpática como sempre fui com os clientes e perguntei se podia ajudar. Foi quando ela me perguntou da atendente loirinha, expliquei que ela tinhas saído e insisti que poderia ajudar. Ela não quis, queria outra pessoa. Foi quando vivi uma situação surreal”. 

“Falei que ela estava no laboratório e também não podia atendê-la, e eu achei que ela tinha apenas a preferência então insisti no atendimento, já que minhas colegas iriam demorar. A senhora me respondeu, falando meio que entre os dentes e com um olhar que eu me lembro até hoje: ‘Você ainda não entendeu que eu quero ser atendida por outra pessoa. Uma pessoa branca'. Na hora eu comecei a chorar, sai de lá e chorei”, narra lembrando uma das piores cenas já vividas. 

Amparada pelos colegas, ela foi incentivada pelo chefe a “esquecer o assunto”, mas não esquece a cena. “Sabe o que eu acho interessante? É o fato de dizermos que o Brasil não é um país racista, pela miscigenação. Mas acho que enquanto não se assumir que é racista sim, as mentes não serão mudadas. Nada será feito”, opina. 

Crime

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, há os crimes de racismo e injúria racial, e mesmo que se tenha a responsabilidade penal, são conceitos diferentes e com leis diferentes.  

Injúria racial é quando uma pessoa ofende a honra de alguém usando elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, como por exemplo chamar de “macaco” ou mesmo o caso de Claudia, que foi chamada de mendiga. 

Já o crime de racismo atinge uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça. Ao contrário da injúria racial, o crime de racismo é inafiançável e imprescritível.

A injúria racial está prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, que estabelece a pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la. Segundo a lei, injuriar seria ofender a dignidade ou o decoro utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.

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