Lapso judicial acerca de uma decisão envolvendo um presidiário no mercado de trabalho põe em risco o emprego de ao menos três mil condenados que cumprem expedientes em troca de redução de pena, em Mato Grosso do Sul.
Histórico em questão que rola em duas esferas na justiça em MS – comum e trabalhista – corre nos tribunais desde o início deste ano.
Paulo César Pereira da Silva, então detento do regime semiaberto em Campo Grande, fora contratado para trabalhar numa empresa madeireira em abril de 2015. Pelo combinado, ele recebia em torno de R$ 800 mensais mais uma cesta básica que era entregue à família dele.
Ocorre que Pereira da Silva recorreu à justiça trabalhista exigindo direitos logo depois de um acidente que sofrera cumprindo suas funções na madeireira, a de serviços gerais.
Diz trecho do processo: “o reclamante narra, em síntese, que não teve sua CTPS (Carteira de Trabalho) anotada, tudo sob a alegação de estar laborando na modalidade de trabalho prisional; que atende todos os requisitos da relação de trabalho com todos os deveres e sem qualquer direito, mesmo laborando em igualde de condições dos demais empregados percebe apenas um salário mínimo e mais nada; que uma empilhadeira passou por cima de sua perna direita, sendo que não houve o registro na CTPS do contrato de trabalho, consequentemente, não possui a qualidade de segurado do INSS ficando dessa forma totalmente desamparado".
INDENIZAÇÃO
Na causa, o trabalhador pediu indenização no valor de R$ 681 mil e, em primeira instância, na corte trabalhista, a apelação fora aceita. Daí em diante, iniciou-se uma queda de braço entre a justiça trabalhista e a comum, aquela que funciona no fórum da cidade.
A questão de Paulo Pereira da Silva, antes da 5ª Vara do Trabalho, foi parar na 2ª Vara de Execução Penal do Trabalho, que desfez o entendimento da justiça trabalhista.
O juiz Mário José Esbalqueiro Júnior contestou a decisão primeira e, em sua sentença, afirmou que “o trabalho prisional é regulamentado pela Lei de número 7.210/84 (Lei de Execução Penal), que prevê a não aplicação da Consolidação das Leis Trabalhistas aos presos que, de alguma forma, trabalham”.
Ou seja, na interpretação de Esbalqueiro Júnior, o emprego dos detidos é regido por lei especial, federal, contudo, a norma dá ao Estado competência acerca da questão, não à justiça trabalhista, tida como federal, em agir no caso.
Ainda segundo o juiz estadual, dos 18 mil encarcerados que cumprem prisão em MS, 5 mil trabalham em troco de um salário mínimo e uma cesta básica. E o direito previsto em lei, diz o juiz, é o “benefício da remição, que desconta um dia de pena a cada três trabalhados”.
“Para o preso, a diminuição da pena é muito importante e por isso quase todos querem trabalhar. Porém, só vamos ter empresários interessados se a mão de obra prisional for barata por não ter encargos trabalhistas”, afirmou o juiz em comunicado divulgado pela assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de MS.
Os presos que trabalham mesmo cumprindo pena, normalmente atuam na construção civil, em prédios públicos, escolas, principalmente. Os encarcerados atuam ainda em frigoríficos, empreiteiras e também em serviço de limpeza em regiões urbanas. De acordo com o Infopen (Sistema de Informações Penitenciárias), MS é o Estado com maior número de condenados trabalhando para reduzir pena.
MANIFESTAÇÃO
Diante do impasse, a CDL de Campo Grande (Câmara de Dirigentes Lojistas de Campo Grande) protestou contra a justiça trabalhista em nota divulgada ontem, segunda-feira (17).
Para a entidade, que classificou o episódio como “insegurança jurídica”, caso a justiça trabalhista concorde com as ações trabalhistas movidas pelos encarcerados, ao menos 3 mil presos condenados judicialmente podem perder o emprego daqui em diante.
Veja a nota da CDL
NOTA sobre convênio para contratação de presidiários
A CDL CG – Câmara de Dirigentes Lojistas de Campo Grande lamenta a falta de conhecimento e valorização, por parte da Justiça Trabalhista em primeira instância, do convênio estabelecido entre empresas, Governo do Estado de Mato Grosso do Sul e a Justiça Estadual, para a contratação de cidadãos que cumprem pena, gerando empregos com a mão de obra prisional.
A entidade lamenta ainda, que tamanho desconhecimento e entendimentos jurídicos possam por fim num convênio que contribui significativamente para que os apenados possam se reintegrar, verdadeiramente, a sociedade, recebendo uma nova oportunidade que proporcione seu sustento, fora da criminalidade.
A CDL CG reforça que em detrimento da insegurança jurídica provocada por meio de ações, onde apenados estão reivindicando direitos trabalhistas, não condizentes com o que foi previsto via convênio, mais de três mil reeducandos poderão perder seus postos de trabalho, finalizando a parceria com os empresários contratantes.
O julgamento dessas ações, sem o mínimo conhecimento do convênio existente entre as empresas, Governo do Estado de Mato Grosso do Sul e a Justiça Estadual, quebra o que fora anteriormente estabelecido e refoge à competência da Justiça do Trabalho para julgar tais ações, o que deveria ser reconhecido de ofício pelo Juiz de Trabalho da 1º instância.
Extinção dos Processos
O TRT – Tribunal Regional do Trabalho se defendeu alegando que quando os casos chegarem ao tribunal, esses processos serão extintos. No entanto, até que haja a extinção do mesmo, o empresário já gastou tempo e dinheiro com a ação, não sendo ressarcidos os valores.
Desta forma, é necessário que a postura das instituições sejam a mesma, sobretudo da primeira instância da Justiça do Trabalho, para que os prejuízos sejam minimizados e o convênio seja fortalecido.
Jurisprudência
A 2ª Vara do de Execução Penal de Campo Grande, por meio do juiz Mário José Esbalqueiro Júnior, proferiu sentença negando a um preso que trabalhava em empresa madeireira, o reconhecimento de direitos trabalhistas.
Regulamentado pela Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal), o trabalho prisional prevê a não aplicação da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) aos presos que trabalham.
As estatísticas apontam que em Mato Grosso do Sul são aproximadamente 18 mil pessoas presas, atualmente, em todos os regimes. Destes, cerca de 80% dos reclusos possuem alguma condenação, o que permite a aplicação da lei de execuções no que diz respeito à atividade laboral.
Além do processo de ressocialização que o trabalho oferece ao apenado, vale ressaltar que o há outros reflexos, como por exemplo, a economia gerada para as empresas e a redução da pena. A cada três dias trabalhados, o detento ganha um. Esses programas de ressocialização também geram economia para o estado.