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Cidades

Após 6 anos de saudade, associação Mães da Fronteira luta pelo fim de vidas ceifadas pelo tráfico

O projeto nasceu para honrar a memória dos jovens Breno e Leonardo, assassinados após o roubo de uma Pajero na Capital

09 setembro 2018 - 07h00Por Dany Nascimento

Com objetivo de impedir que outras famílias chorem pela perda de um ente querido para o mundo do crime, a Associação Mães da Fronteira nasceu do coração de duas mulheres, que vivem seis anos de saudade dos filhos, que foram brutalmente assassinados por uma quadrilha em Campo Grande. Angela Fernandes e Lilian Silvestrini resolveram se unir para pensar na dor do próximo, honrando a memória de Breno Silvestrini e Leonardo Fernandes.  

Os jovens foram torturados e mortos por uma quadrilha em agosto de 2012, após terem o veículo Pajero roubado na saída de um bar próximo da Avenida Ceará na Capital. Angela relembra que recebeu muita solidariedade da população e foi aí que surgiu a vontade de fazer algo para evitar que outras famílias passassem pelo pesadelo de se despedir de seus filhos.

Ela destaca que, até hoje, recebe abraços de conforto de desconhecidos ao caminhar pelas ruas. “A sociedade se mobilizou, as pessoas prestaram muita solidariedade. Eu tenho 51 anos, eu nunca vi em Campo Grande uma comoção desse tamanho. Até hoje as pessoas me abraçam na rua e choram, elas sentiram a minha dor, entendemos que isso tinha um porquê. Achamos que ficou sim uma missão no lugar deles, isso não foi por acaso.  Eles eram meninos muito queridos. Eu e a Lilian tivemos a mesma ideia separadamente, quando a gente viu que existia essa semente, resolvemos continuar lutando, mas não havia planejamento, nem se quer conhecimento de como as coisas se davam”.

De acordo com Angela, o nome da associação surgiu após uma crítica de um desconhecido. “As coisas foram acontecendo, no primeiro dia uma pessoa organizou uma passeata que chamava ‘Eu não quero ser o próximo’, no dia seguinte ao enterro. Fomos, vimos que muita gente queria ouvir da gente. Começaram a convidar para entrevistas, e a Lilian teve mesmo sentimento que eu, lutar para não acontecer com outras vítimas, porque os meninos já foram. Temos que pensar que uma sociedade plena e tranquila é onde não acontece esse tipo de coisa".

"Achamos que a memória dos meninos merecia. Um dia uma amiga nossa disse que um amigo delas falou se essas mães não iam parar, aí virei e falei não vamos parar, seremos as mães da fronteira. Assim surgiu o nome, começamos a chamar as pessoas e realmente quando você tira o foco da sua dor e passa essa energia para uma ação em benefício do outro, a sua dor fica menor e você dá sentido para essa dor, não fica uma coisa no vazio”, continua.

Mesmo sendo um crime que causou grande comoção, Angela destaca que poucas pessoas buscam se associar no projeto, que hoje tem pouco mais de 200 membros. “Tem assembleias, reuniões, mas a adesão é muito pequena. Todo mundo curte nossa página, adora os posts, mas as pessoas têm preguiça de se associar, porque querem ficar como feto dentro da barriga. Elas querem só ver acontecer, mas é assim mesmo, é uma luta de formiguinha. Tem mais de 200 membros hoje, poucas pessoas que fazem parte. No começo muita gente nos procurava, falando que alguém tinha perdido filho, íamos muito, até hoje vamos prestar solidariedade. Mas muita gente chamava achando que íamos interceder junto a polícia, ao MP, junto ao juiz para que o processo do criminoso fosse punido e nós até tentamos fazer ações assim, mas não é isso. Não interfere, sofremos desgaste absurdo, nosso tempo é pouco, somos poucas pessoas para trabalhar”.

A coordenadora do projeto afirma que os membros se encontram uma vez a cada 15 dias. “Nos falamos muito por um grupo no celular, uma vez a cada 15 dias tem reunião física e planejamos agenda anual. Reunião na casa de uma de nós, eu Lilian e outras pessoas que ajudam na administração da associação. Sempre estamos planejando alguma ação, esse ano queremos fazer um simpósio, vamos fazer um evento com os candidatos ao governo. Estamos preparando um documento junto a OAB, com uma série de pedidos e sugestões para a postura do próximo governador. A data ainda não foi definida”.

Apoio de deputada que enfrentou a mesma dor

A associação ganhou o apoio da deputada federal Keiko Ota, que perdeu um filho aos 7 anos de idade, assassinado pelo segurança da família. Conforme Angela, Keiko leva a mensagem de que a sociedade precisa entender que o problema do vizinho também é nosso.

“Quando a  deputada Keiko esteve aqui, ela contou que o filho foi sequestrado pelo segurança da família, eles pagaram resgate, mas a criança estava morta desde o primeiro dia. Eles tinham muitas lojas na 25 de março, eles trabalhavam muito, ela chegava em casa 23 horas. No dia do ocorrido, ela chegou em casa e viu um monte de carro de polícia na rua ela falou para o marido o que será que aconteceu com o vizinho, mas era na casa dela. Então ela aprendeu ali que o problema do vizinho sempre também é nosso, isso resume muito as coisas. Desde uma criança que está vendo o colega sofrer bullying e não toma posição, as diversas violências que a gente vê e é como se não tivéssemos nada a ver com aquilo. Não é porque não sou negra que o problema da discriminação racial não é comigo, enquanto o ser humano não entender que o problema do outro sempre também é dele, aprender a ter compaixão, isso não vai mudar”.

Fronteira

Para Angela, o problema com a fronteira vai muito além da falta de policiais. “Falta tudo, a segurança na fronteira é algo amplo, fomos saber disso depois, começamos a compreender a problemática depois. Não só ir lá e colocar policial na linha, precisamos ajudar  nossos irmãos paraguaios e bolivianos, que residem na fronteira e que diretamente ou indiretamente vivem do tráfico, precisamos dar apoio para essas pessoas terem outro meio de vida, escolaridade. Hoje uma mãe que trabalha cedo e o filho está na escola, a tarde ninguém está com essas crianças que ficam na rua, a mercê de pedófilo, traficante, de toda violência. É uma judiação porque cada ser tem o seu talento, nosso sonho é que todas as crianças do Brasil e quiçá dos países vizinhos tenham escola de tempo integral. Por exemplo uma aula de música não serve apenas para tocar instrumento, quem estuda música vai muito melhor na matemática, cérebro fic amais potente, é comprovado cientificamente”.