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Cidades

Projeto para combater erotização em escolas traz censura disfarçada, avaliam artistas

Acadêmicos e professores assinaram manifesto que repudia projeto de deputado bolsonarista em MS

16 setembro 2019 - 19h00Por Thiago de Souza

Proposta do deputado Capitão Contar (PSL), partido de Jair Bolsonaro, quer proibir manifestações artísticas e culturais - dentro de escolas - que contenham danças obscenas ou pornográficas, que exponham crianças à erotização infantil. No entanto, artistas veem na medida um risco de censura à arte e à livre expressão.

Conforme a PL 231/2019, a proibição se restringe ao ambiente escolar, em Mato Grosso do Sul. Além da restrição daquilo que se considerar obsceno, as escolas deverão incluir em seu projeto pedagógico medidas de conscientização, prevenção e combate à erotização infantil e sexualização precoce.

Contar disse que seu objetivo é simplesmente proteger crianças e adolescentes da erotização precoce.

No entanto, artistas não concordam com a forma que a suposta proteção sugerida por Contar é implementada. Professores do curso de Artes Cênicas (Teatro e dança), da Universidade Estadual de MS, assinaram uma nota com críticas à proposta.

Os docentes explicaram que a arte oferece um espelho para que a sociedade se veja e se reconheça enquanto produtora e propagadora de valores, crenças e ideais. Por isso, o debate deveria estar à frente da restrição.

''Sendo assim, sempre é e sempre será fundamental olhar e refletir sobre os discursos e produtos que estão no mundo, sejam eles quais forem. Devemos então nos perguntar e assim debater com nossos alunos: quais valores queremos para nossa sociedade? E como podemos transformar a partir do que nos está sendo oferecido? '', traz trecho da nota.

Em outro ponto, os professores do curso, dos quais alguns deles se apresentam em eventos escolares, explicaram que a escola não se constrói com a missão de demarcar muros e cerceamentos entre o aluno e seu contexto.

''...mas, ao contrário, ela existe e resiste como ponte entre estes, promovendo a consciência crítica e a prática cidadã pelo saber e pela reflexão. Assim, qualquer tipo de silenciamento e censura opera de modo coercivo e se coloca como uma impossibilidade ao ato de educar.  Por que quando se refere à erotização precoce e à sexualização infantil, o deputado se refere apenas às práticas da linguagem da dança?".

"Sabemos que a mídia e outros veículos difundem outras inúmeras formas de erotização que não estão sendo citadas na referida PL. Obviamente, defendemos práticas que não exponham a criança e o adolescente a conteúdos pornográficos, atos libidinosos ou qualquer outro que viole os pressupostos do ECA. No entanto, vemos que uma PL desta natureza pode vir a generalizar e qualificar erroneamente a diversidade das manifestações artísticas, em especial da dança, abrindo precedente para julgamentos equivocados sobre o corpo em movimento expressivo", finaliza a nota.

Confira a nota emitida pelo curso de Teatro e Dança da UEMS na íntegra:

Posição do curso de Artes Cênicas (Teatro e Dança) da UEMS sobre a proposta da PL 00231/2019 do Deputado Capitão Contar Sabemos que as manifestações artísticas dialogam diretamente com as forças políticas, simbólicas, imagéticas e sociais dos contextos dos quais emergem. A arte oferece um espelho para que a sociedade se veja e se reconheça enquanto produtora e propagadora de valores, crenças e ideais. Sendo assim, sempre é e sempre será fundamental olhar e refletir sobre os discursos e produtos que estão no mundo, sejam eles quais forem. Devemos então nos perguntar e assim debater com nossos alunos: quais valores queremos para nossa sociedade? E como podemos transformar a partir do que nos está sendo oferecido? A escola não se constrói com a missão de demarcar muros e cerceamentos entre o aluno e seu contexto, mas, ao contrário, ela existe e resiste como ponte entre estes, promovendo a consciência crítica e a prática cidadã pelo saber e pela reflexão. Assim, qualquer tipo de silenciamento e censura opera de modo coercivo e se coloca como uma impossibilidade ao ato de educar. E não podemos esquecer que a educação ocorre de modo diverso, não só a partir da intelectualidade e da racionalidade, mas também a partir da sensibilidade e dos diferentes modos de sermos afetados pelo contexto em que estamos inseridos. A dança se insere na educação a partir de várias leis já aprovadas e em vigor no Brasil (como a LDB 9394/96 e a BNCC 2018), justamente por dar aos estudantes novos modos de percepção do mundo, incluindo modos de questionar, concordar ou discordar da realidade posta. Portanto, a escola pode ser um local que ofereça possibilidades múltiplas para que o estudante aprenda a construir conceitos e percepções sobre a sociedade e a realidade em que vive. No que tange a erotização do corpo, sabemos que há muitos séculos, desde os filósofos pré-socráticos (séculos VII ao V a.c), na sociedade ocidental, o corpo vem sendo demonizado e renegado; a ele cabe o lugar de pecado, de prisão da alma e de culpado pela redenção humana. Com esse pensamento sendo disseminado, as diversas maneiras de expressividades corporais são menosprezadas e vulgarizadas pela sociedade em geral. Porém, também é
sabido que é com o corpo e a partir dele que percebemos, sentimos, investigamos, questionamos e também racionalizamos o mundo, dando-lhe significados sensíveis e racionais. Cabe, portanto, compreendermos com cuidado o que o deputado entende exatamente por “erotização” e, cabe, igualmente, às escolas - que conhecem, defendem e trabalham de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - pautarem essas questões a partir de seus contextos, de suas propostas de trabalho e das discussões que desejam propor aos seus alunos. Enquanto classe artística e reconhecendo toda a perseguição histórica da cultura ocidental ao corpo, nos perguntamos: Por que quando se refere à erotização precoce e à sexualização infantil, o deputado se refere apenas às práticas da linguagem da dança? Sabemos que a mídia e outros veículos difundem outras inúmeras formas de erotização que não estão sendo citadas na referida PL. Obviamente, defendemos práticas que não exponham a criança e o adolescente a conteúdos pornográficos, atos libidinosos ou qualquer outro que viole os pressupostos do ECA. No entanto, vemos que uma PL desta natureza pode vir a generalizar e qualificar erroneamente a diversidade das manifestações artísticas, em especial da dança, abrindo precedente para julgamentos equivocados sobre o corpo em movimento expressivo. A proposição desta PL é, nitidamente, mais uma forma de demonizar o corpo e restringir a participação da expressividade corporal na educação, podando possibilidades de repensar, recriar e resignificar o mundo por vias sensíveis. Isto porque ela acaba por subjugar a capacidade de discernimento de alunos e de professores que podem problematizar as questões referentes ao corpo de maneira adequada e tornarem essas questões importantes aliadas nas discussões sobre a erotização e a sexualização precoce - práticas estas que somos totalmente contra. Corroborando com a sugestão do autor da PL na aplicação de medidas preventivas contra tais abusos, destacamos a necessidade de debates constantes sobre o tema, a serem promovidos no próprio âmbito escolar, como forma de discutir e elucidar as questões tão intrincadas sobre este assunto e, assim, conduzir a um maior entendimento do aluno quanto ao respeito, autonomia e direitos sobre seu corpo.
Entendemos que a saída é sempre o diálogo, abrindo para a escuta e o acolhimento de dúvidas e pontos de vista, para oferecermos a possibilidade de consciência sobre o tema. Se o ECA já ampara as crianças e adolescentes em relação ao tema tratado na PL em questão, não vemos razão para a criação de mais uma lei sobre o assunto, sendo que esta proposta pode vir a censurar manifestações de dança que não se configuram como vias de erotização e sexualização precoce, censurando, consequentemente, as possibilidades de expressividade que o trabalho com o corpo proporciona na educação. Lembrando que o acesso à cultura também está assegurado no ECA. Comitê Docente Estruturante do curso de Artes Cênicas da UEMS Profa. Dra. Gabriela Salvador, doutora em Artes da Cena, dançarina, coreógrafa e coordenadora do curso de Artes Cênicas da UEMS. Profa. Dra. Dora de Andrade, doutora em Artes da Cena, dançarina, coreógrafa e vice- coordenadora do curso de Artes Cênicas da UEMS. Prof. Dr. Marcos Antônio Bessa-Oliveira, doutor em Artes Visuais e professor no curso de Artes Cênicas e no Mestrado Profissional em Educação da UEMS.
Prof. Dr. Osvanilton de Jesus Conceição, doutor em Artes Cênicas, Intérprete-criador, Encenador e professor no Curso de Artes Cênicas da UEMS. Profa. Dra. Keyla A. Santiago de Oliveira, doutora em Educação e professora no curso de Artes Cênicas e no Mestrado Profissional em Educação da UEMS. Prof. Dr. Matheus Vinicius de Sousa Fernandes, Doutor em Educação, professor no curso de Artes Cênicas UEMS e professor na Gerência do Ensino Fundamental e Médio da Reme CG. Prof. MSc. Fernandes Ferreira de Souza, Mestre em Literatura Dramática, diretor teatral e professor no curso de artes cênicas UEMS Profa. Dra. Christiane Araújo, doutora em educação e graduada em dança. professora no curso de Artes Cênicas da UEMS.