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Política

Puccinelli Jr. usava técnicas das máfias sicilianas e do cartel de Calli, afirma MPF

Empresa criada para gerenciar dinheiro de propina estaria na mão de um advogado 'testa de ferro'

25 julho 2018 - 07h00Por Celso Bejarano

O Instituto Ícone de Ensino Jurídico seria uma empresa de fachada, criada para arrecadar dinheiro de propina, do filho do ex-governador André Puccinelli (MDB), o André Júnior, preso junto com o pai e um sócio do negócio, o advogado João Paulo Calves, na sexta-feira passada (20), por suposta prática de corrupção. Relatório do MPF (Ministério Público Federal) diz que para parecer um empreendimento legal, o instituto recorria a técnicas antigas, antes usadas por máfias como a siciliana, da Itália e o cartel de Cali, da Colômbia. As duas facções eram ligadas ao tráfico de arma e droga.

“O uso da ‘mistura’ ou ‘mescla’ de capital lícito e ilícito em empresas verdadeiras não é moderno nem raro nas ciências criminais”, diz trecho de uma das 132 páginas do pedido do MPF que determinou a prisão do trio.

“A máfia siciliana tradicionalmente utilizava restaurantes operantes para lavar dinheiro, e o cartel de Cali, na Colômbia, ficou conhecido mundialmente pelo uso de uma rede de farmácias como lavandaria”, descreveu o MPF.

O exemplo do MPF foi um meio de reforçar a tese de que a contabilidade do Instituto Ícone apresenta falhas em sua administração desde a criação, em 2011, até hoje, período que lá movimentou somas que beiraram a casa dos R$ 7 milhões.

“Com o ato de mistura entre lícito e ilícito, normalmente são usadas notas frias, contabilidade obscura, etc. Hodiernamente, a mistura espúria por usual é feita em empresa de serviços especializados cujo domínio da técnica implica que as faturas e notas dirão respeito a elementos de muito mais difícil detecção teórica: é o caso de i) consultorias e ii) patrocínios, por exemplo, ou iii) de palestras".

Acrescentou o MPF: “seria como se duas mangueiras (uma de capital lícito e outra de capital ilícito) jorrassem água para o mesmo recipiente: ali misturadas, não se enxergam por certo duas águas distintas, vez que tudo parecerá o resultado econômico da normalidade empresarial”.

No caso da empresa que seria de Puccinelli filho, o esquema agido para lavar o dinheiro teria sido pelo preceito “patrocínios”, vindos, por exemplo, da JBS, principal empresa que alimentou as investigações acerca da operação da Lava Jato.

CAPTAÇÃO DE PROPINA

Para robustecer a ideia de que a Ícone Instituto foi usada para lavar dinheiro, transitou por ali dinheiro de propina e que o negócio pertence a André Filho, não do advogado João Paulo Calves, o MPF rastreou a criação, troca de sócios e as finanças da empresa.

Do dia 14 de julho de 2010 a 25 de março de 2013, a empresa teria como donos Laudson Cruz Ortiz (95% das cotas) e João Paulo Calves (5% das cotas).

Já de março de 2013 a fevereiro de 2015, João Paulo passa a ser dono da metade de presa e a outra metade de um colega seu formado em Direito no mesmo ano, em 2011, Jodascil Gonçalves Lopes.

E de fevereiro de 2015 a maio de 2016, João Paulo lidera as cotas com 95% da empresa, Jodascil caiu fora do negócio e entra como sócio de 5% do empreendimento, Eduardo Brown da Silva. Ainda em maio de 2016, João Paulo vira o dono absoluto do negócio, com 100% das cotas. Até hoje, ele é o cotista único.

Daí em diante, os investigadores passaram a examinar os valores que entraram na empresa e quanto seus donos sacaram.

“Durante período analisado, as movimentações financeiras de João Paulo Calves, especialmente o repasse de lucros, são incompatíveis com sua crescente participação societária em uma empresa com movimentações tão robustas. Jodascil Gonçalves e Cid Eduardo, enquanto sócios do Instituto Ícone, não receberam quaisquer repasses oriundos das contas da instituição; os repasses a essas pessoas, que totalizam alguns milhares de reais, ocorreram anteriormente à aquisição das respectivas cotas societárias”, assegurou o MPF.

Em 2013, por exemplo, ano que a Instituto Ícone, aberta com capital de R$ 10 mil, registrou um superávit de quase R$ 1 milhão em suas contas bancárias, segundo o MPF, não repassou nenhum centavo aos seus cotistas.

Na apuração da CGU descobriu-se que a empresa Ícone captou créditos em 2013, R$ 2,1 milhões e quitou débitos de R$ 1,4 milhão, lucro anual de R$ 1,4 milhão, ou ganho médio mensal de R$ 116 mil mensais.

Detalhe que chamou a atenção dos investigadores: em 2013, ano financeiro bom da Ícone, Jodascil Gonçalves Lopes era o dono da metade da empresa, contudo ele sai da sociedade sem retirada nada, dinheiro algum.

João Paulo Calves, que seria o testa de ferro de Andre Júnior, vira o chefão da empresa, contudo, sem nada receber. Em 2014, mesma coisa, ele não cata nada do caixa. Mesmo a empresa tendo fechado o ano com quase meio milhão de lucro.

A maioria dos recursos que irrigaram as contas da empresa Ícone veio da empresa JBS que, segundo investigações em curso, dava propina a Puccinelli e em troca recebia incentivos fiscais.

Advogados que defendem os detidos, André Borges e Renê Siufi, entraram com pedido de liberdade dos três, mas o TRF-3 (Tribunal Regional Federal da Terceira Região) negou.